“Quanta saudade!” disse a artista Carmen Carini ao entrar no Sistema de Tecnologia e Monitoramento Ambiental do Paraná (Simepar), 23 anos depois de executar o painel “O Tempo e a Vida”, de Poty Lazarotto. A obra fica no hall de entrada da instituição e, logo que chegou, Carmen sentiu a necessidade de tocá-la, relembrando cada etapa do trabalho realizado.
Poty nasceu em 29 de março de 1924 em Curitiba. Na semana de seu aniversário, em um reencontro emocionante, Carmen, Laila Tarran e Ary Camargo, os três artistas que deram vida a esta obra dele, visitaram o Simepar para contar como foram os quatro meses de trabalho no desenvolvimento do mural – uma das últimas obras que ele projetou em vida, e a última dele que foi executada.
“Poty era uma pessoa muito reservada. Muito introspectivo, falava muito pouco, mas era muito gentil, simpático e atencioso com a gente. Falava com bastante clareza o que queria nos propor”, conta Carmen que, ao lado de Laila, já tinha atuado com Poty em trabalhos anteriores como, por exemplo, a gravura que está na cortina corta-fogo do Teatro Guaíra.
O artista sempre foi uma referência para todos. “Poty é único de várias maneiras. Ele tem uma série de referências expressionistas, até cubistas, de artistas que vieram desses movimentos importantes no século 20, mas ele pega tudo isso e transforma em algo muito especial, principalmente no concreto”, afirma Ary.
"O TEMPO E A VIDA" – Muralista reconhecido no mundo, o artista curitibano executou diversos murais, como "Casa do Brasil", em Paris (1950), e o painel para o Memorial da América Latina, em São Paulo (1988), além dos vários painéis e gravuras que o tornaram tão popular em sua cidade natal. Ao ser convidado para conhecer o trabalho do Simepar, Poty ficou encantado com as possibilidades. “Estou entendendo que o Simepar não pretende decifrar ou controlar a natureza, mas entender seus sinais, compreendê-la”, afirmou à época.
“A relação do Simepar com Poty data da própria criação do Simepar, em 1993. Sete anos depois a encomenda, um desenho no papel, foi entregue pelo artista”, conta Sheila Paz, gerente de Meteorologia do Simepar.
Ele entregou o projeto de um mural com desenhos que mostram várias áreas que exemplificam a importância da meteorologia para a humanidade: a ciência, os recursos hídricos, energia, tempo, clima, órgãos públicos como Defesa Civil e Corpo de Bombeiros, agricultura, transportes, meio ambiente, lazer e turismo. Porém, Poty faleceu em 1998, aos 74 anos, antes de tirar o mural “O Tempo e a Vida” do papel.
Por meio da Lei de Incentivo à Cultura, a diretoria do Simepar, com apoio da Copel e da Universidade Federal do Paraná (UFPR), conseguiu contratar uma equipe que pudesse tornar o mural realidade. Carmen e Laila, que já tinham executado outros murais de Poty, foram escolhidas para fazer os estudos de proporção e desenvolver os moldes, e contaram com a ajuda do aluno delas, o recém-formado Ary Camargo.
“Primeiro tivemos que pensar nos relevos, nas concavidades, porque nos foi passado um projeto bidimensional. Tínhamos que criar, interferir na parte dos relevos. Por isso pesquisamos muito a obra dele, para ver como ele trabalhava esses relevos. Fizemos um protótipo positivo primeiro, para termos mais noção de como ficaria”, explica Carmen.
O protótipo montado na casa da artista foi analisado e aprovado pelos consultores Ennio Marques Ferreira, Maria José Justino e Maria Ester Teixeira Cruz. Aí, então, começou um trabalho de aproximadamente quatro meses de desenho das camadas e montagem de moldes com isopor.
A obra foi dividida em pequenas partes e os moldes tinham o formato oposto da obra (chamado de negativo) para que fossem preenchidos com o concreto, e então saíssem da maneira que Poty idealizou. A empresa R. A. Machado Construções Civis preencheu cada molde com concreto e montou a versão final da obra.
A experiência mudou a carreira de Ary. “Vi a possibilidade de iniciar um trabalho profissional na parte de arte mural, que eu já pesquisava e gostava muito. Foi o que fez com que eu tomasse gosto pela produção muralista e direcionasse minha pesquisa para produção mural”, conta. Para Carmen também foi inesquecível. “Foram muitas horas de trabalho, de desafios, de superação”.
O mural no prédio é motivo de orgulho e gratidão por parte de toda a equipe do Simepar. “Prestes a completar 30 anos, até hoje os elementos representados nesta obra estão muito alinhados com o papel do Simepar, como empresa que provê à sociedade serviços de natureza meteorológica, hidrológica, e ambiental”, ressalta Sheila.
SERVIÇO – O mural "O Tempo e a Vida" é aberto ao público e fica no hall de entrada do Simepar, dentro do Centro Politécnico da UFPR, na Av. Cel. Francisco H. dos Santos, 210, no bairro Jardim das Américas, em Curitiba.
O público também pode conhecer a obra de Poty na exposição “Trilhos e Traços – Poty 100 anos”, realizada pelo Museu Oscar Niemeyer (MON) em comemoração ao centenário de Poty Lazzarotto (1924-1998). Ela reúne aproximadamente 500 obras, com curadoria de Maria José Justino e Fabricio Vaz Nunes. As obras fazem parte da coleção de 4.478 criações de Poty doadas ao MON, em 2021, por João Lazzarotto, irmão do artista.