Os 11 mil passos calculados por um aplicativo no celular da enfermeira Milena Corrêa Leme em apenas um dia de trabalho (jornada de oito horas) nos últimos dois meses resumem como a Atenção Primária à Saúde (APS) tem lidado com as transformações provocadas pelo novo coronavírus no Paraná. O que era um entra-e-sai de pessoas nas unidades dos bairros das pequenas e grandes cidades virou um entra-e-sai dos próprios profissionais, das salas de atendimento nas áreas internas até o portão, quase incalculáveis vezes ao dia.
Milena é servidora da Unidade de Saúde Moradias da Ordem, no Tatuquara, em Curitiba, uma das portas de entrada dessa estratégia que prevê atuação integrada com a população e filtragem dos casos para organizar as filas de atendimento no Estado. “O que antes era feito internamente agora é no portão. É o local designado por protocolo para a triagem, identificação das necessidades das pessoas, e o monitoramento de temperatura e dos sintomas gripais”, explica.
A rotina de trabalho de Milena é espelhada em algumas unidades de saúde do Paraná. Em outras, as orientações estão mais debruçadas sobre as buscas ativas. O pano de fundo, no entanto, é o mesmo: promoção de ações educativas e cuidados perto das pessoas. Cerca de 30 mil profissionais de saúde trabalham na atenção primária, no Interior e na Capital. São 2.578 unidades básicas de saúde no Estado.
“Temos orientado os municípios a reforçar esse atendimento porque essa é uma linha de ação muito importante”, explica o secretário de Estado da Saúde, Beto Preto. “Cada rotina envolve médicos, enfermeiros, técnicos e outros profissionais. É um trabalho diário de identificação de casos leves e assintomáticos. E com a entrada dos testes rápidos vamos aumentar o diagnóstico para equilibrar ainda mais a situação no Paraná”, destaca o secretário. Ele afirma que a união da atenção primária, hospitalar e virtual (telemedicina) permite resposta adequada do Estado diante da pandemia.
ATENÇÃO PRIMÁRIA - Na Atenção Primária à Saúde se concentram 80% dos casos de Covid-19, os quadros leves, segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Ministério da Saúde. Essa é a área da saúde pública que atende as pessoas em unidades próximas dos seus domicílios e nas próprias casas. É onde é possível fazer uma medição de como as orientações gerais em período de isolamento social e etiqueta respiratória têm alcançado a população.
Durante surtos e epidemias, esse trabalho ganha mais protagonismo na resposta à doença. É na atenção primária que estão inseridas os cadastros dos pacientes dos grupos de risco e onde ocorre a identificação precoce de casos graves que devem ser remanejados para os hospitais.
Também é nesse setor que as ações de vigilância para bloquear e reduzir o risco de expansão são mais evidentes e em que a educação em saúde pública é uma rotina. São esses profissionais que mantêm olhares atentos aos hipertensos, diabéticos, gestantes e idosos.
“Essa estratégia é imperceptível para alguns e extremamente visível para outros. Ela é parte do dia a dia das comunidades, principalmente aquelas mais vulneráveis. É fundamental para a promoção da saúde, prevenção de doenças e acompanhamento das pessoas já acometidas por qualquer agravo de saúde”, destaca Carmen Moura, coordenadora de Organização da Rede de Cuidados em Saúde da Secretaria de Estado da Saúde.
É na APS que se desenvolve ações de promoção e prevenção. Isso quer dizer que as equipes não esperam o adoecimento das pessoas, mas buscam pelas famílias que neste momento precisam ser monitoradas e orientadas sobre os cuidados para não adoecer com o distanciamento social, principalmente em relação a lavagem das mãos e etiqueta respiratória.
“É um trabalho que aparece menos porque é distante das complicações das UTIs. Não gera grandes dados estatísticos. Mas é um trabalho que evita o deslocamento de potenciais portadores da Covid-19, que ajuda a evitar contato delas com outras pessoas, que reforça os padrões necessários do isolamento social”, completa Alessandra Crystian Engler dos Reis, professora de enfermagem da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste). “Sem essa estratégia não conseguiríamos dar uma resposta satisfatória a essa crise pelo Sistema Único de Saúde”.
BUSCA ATIVA - Em Piraquara, na Região Metropolitana de Curitiba, a mudança adotada diante do avanço da pandemia foi direcionar a equipe multiprofissional das ruas para identificar casos suspeitos, passíveis de orientação, isolamento e tratamento em tempo oportuno.
Ramony Filippini Martins, coordenadora da Atenção Básica da prefeitura, reuniu seus 262 profissionais divididos em 19 equipes para alcançar até 91 mil habitantes. “Priorizamos a busca ativa e o monitoramento dos grupos de risco: idosos, acamados, gestantes e pessoas com comorbidades crônicas. Aqueles com sintomas respiratórios são aconselhados a manter isolamento domiciliar ou, em casos mais moderados, a procurar uma unidade de saúde ou a UPA 24h. Nos equipamentos de saúde, fazemos a triagem dos pacientes sintomáticos respiratórios no portão e encaminhamos para atendimento clínico em local exclusivo” afirma.
Nas unidades básicas do município foram instaladas tendas para esta triagem, o que era eletivo saiu da agenda, e os pacientes com sintomas respiratórios ou clínico-epidemiológicos passaram a receber orientação personalizada através de linha telefônica e equipe específica para este fim. Os casos positivos são monitorados diariamente pela equipe da Secretaria de Saúde, o que possibilita intervenção precoce, se for necessário. A cidade tem apenas 19 casos confirmados.
“O coronavírus ajudou a entender a necessidade de capacitação permanente para os profissionais e impactou positivamente na valorização desses profissionais que diariamente estão bem próximos da população. A pandemia reforçou as nossas estratégias de apoio, de estar presente diante dessas dificuldades”, reforça a coordenadora.
INTERIOR - Cafeara, município de pouco mais de 2 mil habitantes, perto da divisa com São Paulo no rio Paranapanema, tem um único caso confirmado. Mesmo assim, desde meados de março, quando as medidas restritivas ficaram em evidência no Estado, a única unidade de atendimento do município com urgência e emergência oficializou as "duas portas": uma para pacientes sem suspeita de Covid e uma para aqueles com sintomas respiratórios.
“A procura, ainda bem, está baixa, mas são técnicos de enfermagem, enfermeiros e um médico atendendo os casos graves normais e realizando busca ativa diariamente na cidade para encontrar possíveis casos da doença”, afirma Elis Regina Santos Oliveira, enfermeira na unidade. “Mesmo assim a nossa sala de estabilização está pronta para ser usada”.
Elis conta que a cidade se preparou logo no começo da pandemia para enfrentar a Covid-19 por causa da experiência com a dengue e que comprou duas máscaras de proteção para cada cidadão. A Unidade de Terapia Intensiva mais perto fica a 109 quilômetros, em Londrina, a duas horas de viagem.
“Mesmo com um caso, continuamos trabalhando arduamente. Essa é uma luta que o Paraná todo vem enfrentando e todos estamos conscientes de que a atenção especializada de todas as nossas equipes pode ajudar a salvar vidas”, completa a enfermeira.