Há exatos dois anos, o Paraná confirmava os primeiros casos de uma doença pouco conhecida, mortal e que mudaria a vida de milhões de pessoas ao redor do mundo. No dia 12 de março de 2020, em uma coletiva de imprensa, o secretário de Estado da Saúde, Beto Preto, anunciou a presença do vírus responsável pela Covid-19 em solo paranaense.
Naquela ocasião, ninguém sequer imaginava como seria o real enfrentamento a este inimigo invisível. A pandemia já soma 453 milhões de casos e 6 milhões de mortos no mundo. No Paraná, o número de casos passa de 2,3 milhões com 42,4 mil óbitos.
Agora, após centenas de ações e medidas de prevenção para o combate à doença e com a estabilização do cenário epidemiológico no Paraná, Beto Preto narra como foi a preparação, o enfrentamento e o que esperar para o futuro do pós-Covid.
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Dois anos de pandemia: 2021 tem a marca registrada da campanha de vacinação
Como foram estes dois anos de Covid-19 no Paraná?
É uma grande jornada, iniciada no começo com a decretação de emergência em saúde pública de interesse internacional, o primeiro caso no Brasil, e o ano de 2020 foi marcado pela corrida atrás de novos leitos, ventiladores, monitores, equipamentos de proteção individual, testes e o combate sem vacinas ao coronavírus. Pessoas perdendo a vida, uma pandemia que chegou sem precedentes e que não veio com manual de instruções, e que, principalmente no segundo semestre, fomos marcados pela expectativa da chegada das vacinas.
Já 2021 foi outra página. Houve a intensificação de casos de Síndromes Respiratórias Agudas Graves (SRAG) no verão e em meados de janeiro, começamos a receber as primeiras doses da vacina contra o coronavírus, e aí vem a segunda etapa desse combate que é a etapa efetiva da tão ansiada imunização.
Inicialmente foram os profissionais de saúde, pessoas de mais idade, descendo para as outras faixas etárias. Ao longo de 2021 seguimos vacinando, primeira dose, segunda dose, dose única, no segundo semestre, a chegada da dose também para o reforço, a imunização dos adolescentes e no final do ano de 2021 o momento de vacinar as crianças.
Essa pandemia é marcada por diversos momentos diferentes, eu diria até que são diversas pandemias dentro de uma só pandemia, porque tivemos três ondas efetivas, e que essas ondas no momento mais duro e agudo tiraram a vida dos brasileiros, de muitas pessoas no mundo todo. Uma jornada de perdas, aprendizado, muitas ações e esperança.
Como o Paraná se preparou para enfrentar a Covid-19?
Transparência e cautela. Estes foram nossos dois pilares, nosso binômio, desde o início da pandemia, principalmente quando falamos em nos relacionar e informar a população. Transparência total sempre, dando as boas notícias e aquelas que inevitavelmente não foram boas, e cautela porque o Paraná nunca precisou sair na frente de ninguém, sempre fez e continuará fazendo o seu dever de casa, colocando como prioridade a vida dos paranaenses.
O Estado contou com um governador que teve a confiança na equipe de Saúde do Estado e, também, na nossa relação com as equipes municipais. Segundo ponto importante é a relação de parceria absoluta com os hospitais paranaenses, sejam eles públicos, privados ou filantrópicos, todos colocaram suas estruturas à disposição do Governo e possibilitaram a maior abertura de leitos da história da saúde do Paraná.
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Qual foi a estratégia do Paraná para atender os pacientes infectados?
Eu vejo que hospitais de campanha têm começo, meio e fim, e nós sempre nos preocupamos aqui no Paraná com o legado de todo esse processo da pandemia, e por isso rapidamente colocamos três hospitais que estavam à disposição, finalizando as obras, e outro que já estava pronto exclusivamente para o combate ao coronavírus.
Os quatro hospitais universitários em Londrina, Ponta Grossa, Maringá e Cascavel também colocaram suas estruturas para o atendimento da Covid-19. Tivemos também uma rede satélite de hospitais que já tinham investimentos do Governo do Estado para abertura de leitos de UTI, tanto nas obras quanto nos equipamentos, e que neste momento de urgência foi também essencial.
Nosso esforço de ampliação de leitos não tem precedentes. Nós tínhamos 1.200 leitos cadastrados para adultos em UTI geral no SUS do Paraná. Em questão de um ano ampliamos em mais 2 mil leitos, passando de 3,2 mil. Isso também na área de enfermaria, mas que em muitos momentos estiveram próximos no colapso, principalmente nas mudanças de variantes e cepas.
Qual foi o pior cenário da pandemia no Paraná?
O pior cenário é a perda de alguém, sempre. Porém na gestão desse processo nós tivemos que passar por diversas situações completamente diferentes. Eu nunca pensei que em 28 anos de formação como médico enfrentaria algo assim. De repente, não estou apenas enfrentando, mas estou na condução e gestão dessa crise no Paraná, investido no cargo de secretário de Estado.
Tivemos momentos duros como a crise dos medicamentos, por duas ou três vezes quase acabando, e sabendo do número enorme de paranaenses deitados em leitos de UTI, intubados e sedados, e que poderiam ter em algumas horas a falta de medicamentos – isso é dramático.
Ao mesmo tempo tivemos que lidar com situações bastante dúbias, como a indicação de coquetéis de medicamentos que hoje se demonstram absolutamente sem nenhum critério médico, sequer científico, ou ainda a revolta das pessoas por eventualmente precisarem se fechar em casa pela necessidade do isolamento.
Ser gestor neste momento é enfrentar tudo isso: a falta de vacina, a negação da vacina, a opinião pública. Porém, absolutamente todas as decisões foram tomadas e embasadas em números e na circulação do vírus e, principalmente, em tentar proteger a população do Paraná. As ações de Saúde do Paraná não foram para este ou aquele município, foram para todos os municípios do Estado, desde a Capital, que tem a maior população, até os menores do Estado. Todos eles merecem o respeito de quem está no comando do Governo do Estado.
O Paraná é destaque nacional em testagem contra a Covid-19. Qual a importância disso dentro do enfrentamento do novo coronavírus?
Aqui no Paraná nós tivemos um diagnóstico mais fiel desde o início, conseguindo articular uma grande rede de testes RT-PCR e tornando o Paraná o Estado que mais testou. Os dados da pandemia no Estado são os mais fidedignos do Brasil. Isso, em um momento que estamos tentando sair da pandemia, como está acontecendo agora, pode não parecer significar muita coisa, mas ao longo do planejamento, da abordagem, principalmente do índice de transmissão do vírus, foi muito importante na tomada de decisão e bloqueio da circulação da doença.
Sobre a vacinação, como foi este momento para a saúde?
A vacina é nosso salvo-conduto nesta batalha. Tivemos um trabalho excepcional de todas as esferas do Governo para colocar as vacinas à disposição dos municípios. Sou agradecido, assim como o governador, pelo esforço de todos, principalmente por toda a estrutura que sempre esteve à disposição para levar as vacinas até os municípios e, consequentemente, as vacinadoras e vacinadores dos nossos municípios, que foram responsáveis por fazê-la chegar até o braço dos paranaenses.
Qual é o próximo desafio para a saúde pública do Paraná?
Eu vejo que ainda temos muito a passar durante a Covid como, por exemplo, aguardar uma vacina que tenha efetividade por um tempo maior, nos dê defesa necessária por um ano para que seja anual, como já é com a gripe.
Vamos ter que encarar o que vem pela frente, e o que vem é muito importante. Nós tivemos por muito tempo a restrição da realização de cirurgias eletivas porque tínhamos que deixar os leitos para atendimento exclusivo dos pacientes Covid. É hora de retomar as cirurgias eletivas, e o Paraná fez uma aposta muito grande em um programa chamado Opera Paraná que deve ser lançado nos próximos dias.
Quais os principais gargalos da pandemia?
Nós tivemos diversas situações que foram prejudicadas pela pandemia, além das cirurgias eletivas: por exemplo, fazer com que a nossa Atenção Primária em Saúde, as Unidades Básicas de Saúde de cada um dos 399 municípios, voltem a ser plenamente procuradas pela população para tratamento das doenças crônicas. É o hipertenso, o paciente diabético, com ferida na perna, paciente com bronquite grave, asma, a coleta do preventivo do câncer de colo de útero, a vacinação não Covid dos seus filhos ou dos idosos no caso da gripe. Tudo isso precisa voltar a ser feito dentro das Unidades Básicas de Saúde, o postinho de saúde perto de casa das pessoas.
Outro gargalo que precisa ser analisado muito profundamente é a saúde mental das pessoas. Ao longo do tempo perdemos muitos paranaenses e esse luto coletivo não vai passar em seis meses, isso merece um tratamento a longo prazo, fazer com que esse assunto seja abordado também dentro de todas as nossas unidades de saúde dos municípios, seja no ambiente ambulatorial, especializado ou dentro dos nossos hospitais.
É importante criar condições para trazer essas pessoas para falar um pouco de todo esse medo, essa angustia que está dentro do coração de todos neste momento de pós-pandemia.
Quanto à flexibilização do uso da máscara, como o Estado avalia este momento?
É necessário ter muita cautela. Precisamos continuar vacinando os paranaenses, mas hoje, dentro do atual cenário epidemiológico, entendemos que é possível reavaliar e flexibilizar o uso em ambientes externos e ali na frente, com os números em queda, poderemos pensar também em flexibilizar até nos ambientes fechados, desde que arejados.
Porém, é importante frisar que não se trata de um canetaço de lei, isso não vai substituir a consciência coletiva que se formou ao longo do tempo. A máscara nos serviu até agora, fez o anteparo para diversos vírus e bactérias e nesse momento, com muito respeito, entendemos que podemos flexibilizar o seu uso.
O que ficará de ensinamento dessa pandemia?
O vírus, além de ser invisível, é rápido. Tivemos momentos muito duros, principalmente na perda da vida humana de cada paranaense, que infelizmente sucumbiu a essa doença em precedentes e que até hoje não temos o conhecimento completo de todo o seu alcance e envergadura, nem do momento da infecção e nem depois no pós-infecção, com a chegada das diferentes sequelas que nós temos abordado e relatos de casos. Principalmente estes paranaenses que vão precisar de reabilitação ainda por muito tempo.
Passamos por momentos dramáticos e esses momentos vão nos servir de experiência para o futuro do planejamento da saúde qualquer que seja o cenário. Quem vai passar, quem está passando e quem já passou por este momento da pandemia numa condição de gerência ou de gestão de um serviço de saúde, tenho certeza de que vai sair muito mais preparado para propor ações de saúde pública para os próximos anos.
Como o senhor avalia todo o trabalho realizado até agora?
Uma hora teremos que contar essa história com os detalhes de quem teve uma agenda na mão com as diferentes ações e decisões a serem tomadas diariamente. Fomos atores dessa história, tanto quem ficou em casa, assistiu pela televisão, ouviu o rádio ou até teve que pegar um ônibus e ir trabalhar para não perder o seu emprego.
A pandemia se trata inicialmente de saúde, mas ela também trata de comida na mesa, emprego, manutenção da sua casa, esperança, e foi essa esperança que tentamos ao longo do tempo não deixar esmorecer. Muitas vezes, não tínhamos sequer o horizonte, mas ficamos firmes, eu diria unidos, trabalhando muito com os municípios.
Eu tenho certeza de que depois de dois anos, no Paraná, essa franqueza e transparência foram determinantes para que pudéssemos olhar nos olhos dos paranaenses e dizer o que seria melhor ou pior naquele momento. Existem situações que nunca serão cicatrizadas, feridas que nunca vão fechar, eu sou ciente disso, mas tenho certeza de que o que estava em nosso alcance foi feito e vamos continuar fazendo.