O Instituto Água e Terra (IAT) e a Associação de Pesquisa e Conservação da Vida Silvestre (Criadouro Onça Pintada) colocaram em prática, neste mês, uma importante etapa do projeto experimental de reforço populacional de queixadas (Tayassu pecari) e catetos (Pecari tajacu) no Parque Estadual das Lauráceas.
Estes mamíferos são espécies de médio porte, ameaçadas de extinção, e consomem grande variedade de frutos nas florestas neotropicais. Isso os tornam dispersores e predadores de sementes, o que contribui para o equilíbrio ecológico e a manutenção da biodiversidade nas florestas.
O parque está localizado na Região Metropolitana de Curitiba (RMC). A iniciativa integra o projeto de Pesquisa Científica em Unidades de Conservação, desenvolvido pelo IAT. A proposta foi idealizada com base nas indicações de manejo e conservação dessas espécies, apontadas pelos Planos de Conservação de Aves e Mamíferos Ameaçados no Paraná (2009).
“A ação faz parte de uma estratégia de manejo no qual a reintrodução e o reforço populacional figuram como alternativas à conservação de populações em risco”, disse o diretor do Patrimônio Natural do IAT e de Políticas Ambientais da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Sustentável e do Turismo (Sedest), Rafael Andreguetto.
O projeto também busca avaliar o processo de readaptação de animais nascidos em cativeiro ao ambiente natural, validando estratégias de conservação fora do ambiente natural e fortalecendo o trabalho e a função primordial dos criadouros conservacionistas como banco genético e populacional.
De acordo com o biólogo do IAT, Mauro Britto, populações de tamanho reduzido estão sujeitas à rápida extinção devido a três razões principais. “Uma delas é a perda de variabilidade genética com depressão endogâmica, quando a reprodução acontece com espécies da mesma formação sanguínea. Outra razão é a ocorrência de flutuações demográficas, pois variações nas taxas de natalidade e mortalidade alteram a dinâmica populacional, demonstrando aumento ou declínio da população. Temos, ainda, a variação ambiental combinada ou não com catástrofes naturais”, afirmou.
“Portanto, para espécies com ciclos de vida longos, com populações reduzidas e que sofrem diferentes pressões, projetos de reforço populacional e reintrodução (rewild) de espécies são uma importante ferramenta para a conservação e, consequentemente, as Unidades de Conservação (UCs) se tornam boas candidatas para a reintrodução ou reforço populacional de espécies ameaçadas”, acrescentou.
Para o médico veterinário Paulo Rogerio Mangini, pesquisador e responsável técnico pelo projeto, no caso dos queixadas, em particular, é importante também entender que esta espécie depende de grandes grupos para sua sobrevivência. “Na Floresta Atlântica, é comum que grupos saudáveis e ecologicamente funcionais apresentem entre 60 e 70 indivíduos. Na Amazônia, por exemplo, esses grupos podem ser ainda maiores, passando de 100 indivíduos”, destacou.
De acordo com ele, isso equivale a dizer que grupos pequenos, com 10 ou 15 indivíduos, são menos viáveis e mais propensos a desaparecer ao longo do tempo. Da mesma forma, esses pequenos grupos não funcionam como dispersores de sementes na amplitude que deveriam. “Em outras palavras, a floresta de Lauráceas certamente será mais saudável no futuro, após o restabelecimento de grupos mais funcionais de queixadas”, afirmou.
PESQUISA – A pesquisa passou por três fases. A primeira foi de levantamento para detectar a presença e o tamanho populacional de catetos e queixadas no Parque Estadual das Lauráceas. Relatos dos moradores da região indicam que o queixada nunca deixou de ser observado, mas mesmo assim é considerada uma espécie com baixo número de componentes.
Diante disso, antes de se planejar efetivamente qualquer manejo, foi feito um estudo utilizando armadilhas fotográficas em diferentes pontos do parque, desde 2018. Os registros indicaram que os catetos eram escassos, não havendo qualquer registro por imagem ou vestígios dos animais.
Após 12 meses de levantamento, deu-se início ao planejamento para soltura de espécies no parque, buscando o reforço populacional. O método que se mostrou mais adequado foi o de soltura branda, com a liberação de grupos já consolidados, para não desestruturar a hierarquia já estabelecida entre os indivíduos. Entre 2019 e 2020 foram liberados 40 catetos e 90 queixadas em diferentes períodos e composições de grupos.
“Mesmo após a soltura, os envolvidos no projeto mantiveram o monitoramento com armadilhas fotográficas, com o objetivo de observar a dispersão e o uso de espaço pelos animais no parque, bem como sua capacidade de adaptação e de reprodução no ambiente natural”, destacou a gerente de Biodiversidade do IAT, Patricia Calderari.
O projeto empregou até 18 armadilhas fotográficas (câmeras-trap) para o monitoramento prévio e dos resultados do reforço de reintrodução de catetos e queixadas. Outras técnicas de campo como transecções lineares e também busca ativa de vestígios como fezes, pelos e pegadas também foram empregados no monitoramento. Ao todo, foram mais de 187 mil horas de registro.
Para os animais já reintroduzidos, o monitoramento continua a médio e longo prazo, para acompanhamento, além da busca de informações sobre a forma como estes irão utilizar o habitat dentro da Unidade de Conservação e seu entorno. É perceptível o sucesso na adaptação dos catetos e queixadas ao local, com a utilização de espécies da flora local como fonte de alimento, reforçando as relações ecológicas da fauna e flora, por meio dos processos de predação de frutos e dispersão de sementes, assim como recrutamento de plântulas.
ESPÉCIES NOVAS – Outro resultado positivo do projeto é o registro paralelo de importantes espécies indicadoras da diversidade da fauna particular de lauráceas. “Existem algumas ainda não registradas anteriormente, como o caso do Speothos venaticus (cachorro-do-mato-vinagre). Outras são pouco conhecidas na região, como a Myrmecophaga tridactyla (tamanduá-bandeira). Imagens obtidas pelas armadilhas fotográficas, além de muito satisfatórias, mostram que há um relativo sucesso e qualidade do trabalho realizado até o momento”, disse o médico veterinário Paulo Rogerio Mangini.
Ainda são destaques os registros da presença de espécies nativas que possuem uma função ecológica importante, como os grandes predadores, pouco registrados antes do reforço populacional de catetos e queixadas. É notável a presença de onça-pintada (Panthera onca) em regiões onde não havia sido observada dentro do parque, assim como um aumento na frequência de registros de suçuarana (Puma concolor), após os eventos de manejo para reforço populacional de catetos e queixadas.
“Os grandes predadores aparecem nos registros das armadilhas fotográficas, indicando um aumento no número de observações da suçuarana e da onça-pintada em diversas regiões do parque, com pelo menos um registro a cada mês de esforço amostral, após a chegada dos queixadas e catetos”, afirmou a bióloga do projeto Amanda Miranda dos Santos.
“Na etapa atual do projeto pudemos, em uma importante parceria com a TSG (Tropical Sustainability Institute), instalar um rádio colar com tecnologia GPS e comunicação via satélite em um dos animais, permitindo um acompanhamento muito mais eficiente do grupo introduzido. Com isso, conseguiremos, também, compreender e identificar como os animais nascidos no criadouro se deslocam na paisagem nos primeiros meses após a liberação”, afirmou Luciano Sabóia, responsável pela Associação de Pesquisa e Conservação da Vida Silvestre - Criadouro Onça Pintada.
De acordo com ele, no futuro será possível saber a área de vida desses bandos e os ambientes preferidos deles dentro do Parque Estadual das Lauráceas.