“Uma andorinha só não faz verão. Ou até faz, mas leva muito mais tempo”. É assim que a produtora Nira Souza define o grupo Mulheres do Café, um projeto nascido no Norte Pioneiro do Paraná, que reúne cafeicultoras da região para agregar valor à produção com uma iguaria cada vez mais valorizada mundialmente: o café especial.
Em oito anos de projeto, o produto já foi diversas vezes premiado, é vendido para quatro continentes e corresponde a 15% da produção total de café dos 11 municípios participantes.
Definido por um escore acima de 80 em uma metodologia que pontua características do café em uma escala de 0 a 100, o café especial se diferencia do comum - apelidado de café commodity - por uma seleção minuciosa dos melhores grãos da lavoura, que apresentam características únicas no aroma e no sabor.
Com isso, ao receber uma boa nota, as agricultoras vendem a saca especial por um valor de 40% a 50% maior do que o tradicional, agregando valor ao produto e gerando renda extra para a família. Em 2020, segundo o Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná (IDR-PR), enquanto o valor do café commodity foi vendido a uma média de R$ 8,00 por quilo, o café especial chegou a uma média de R$ 20,00 por quilo - preço que pode ser ainda mais alto dependendo do comprador.
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Criada pelo IDR-PR em 2013, a iniciativa atualmente abrange mais de 250 mulheres, distribuídas por 12 grupos de 11 municípios do Norte Pioneiro: Curiúva, Figueira, Ibaiti, Japira, Jaboti, Pinhalão, Tomazina, Siqueira Campos, Salto do Itararé, Joaquim Távora e Carlópolis. A associação também é vinculada à Aliança Internacional das Mulheres do Café (IWCA), instituição internacional de valorização ao trabalho feminino nessa cadeia.
A região do Norte Pioneiro tem uma área total de 840,14 hectares dedicados ao café, em uma média de 3,53 hectares por produtor. Em 2019, a produção total foi de 22.680 sacas beneficiadas de café, das quais 3.402 foram de café especial.
HISTÓRIA – Em expansão no Paraná principalmente a partir de 2010, foi nos cafés especiais que o Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná (IDR-PR) viu a oportunidade de desenvolver esse potencial entre os pequenos produtores de agricultura familiar ao mesmo tempo em que empodera as mulheres, personagens coadjuvantes do trabalho até então.
Cíntia Mara Lopes de Souza, extensionista do IDR-Paraná e coordenadora do projeto Mulheres do Café, explica que a iniciativa surgiu dentro da instituição. “Percebemos que as mulheres participavam pouco dos processos de capacitação promovidos pelo IDR-Paraná e, por outro lado, aquelas que participavam contribuíam muito na adesão das famílias às novas tecnologias”, conta.
“Além disso, víamos que quem trabalhava no terreiro e cuidava da parte organizacional da colheita era a mulher. Pensando que a produção de café especial seria uma alternativa de renda interessante para a pequena propriedade, a mulher teria um papel fundamental nesse processo”, explica a coordenadora.
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Assim, o IDR-Paraná passou a realizar diagnósticos e promover formações sazonais que ensinavam as técnicas necessárias segundo o momento do ciclo do café. “Se era tempo de colheita, ensinavam a fazer a seca. Se terminava a colheita, falavam de poda e desbrota. E não tratavam só da parte técnica: falavam também de nós como mulheres, de liderança, de empoderamento, de nos fortalecer como mulheres para não desistir e de como trabalhar essa questão dentro da família”, explica a produtora Nira Souza.
Nira é uma das integrantes originais do grupo de Matão, distrito do município de Tomazina, que inclui 21 cafeicultoras e é observado como um dos mais desenvolvidos do projeto. Hoje com 44 anos, ela cresceu em plantações de café. Para ela, o sucesso é consequência do trabalho em grupo, que torna o percurso mais leve e mais rápido. Ela também é presidente da associação criada para abarcar essa iniciativa, a Amucafé (Associação das Mulheres do Café do Norte Pioneiro do Paraná), e representa a região em eventos por todo o País.
“Para mim não existe nada mais gratificante na vida do que a valorização do meu trabalho. E não é só a valorização por ganhar mais, mas pelo respeito com que as pessoas tratam meu trabalho, meu café e minha vida como mulher”, afirma.
EXPORTAÇÃO – Um ponto de virada no grupo foi quando, em 2015, três produtoras do Norte Pioneiro conquistaram pódio no Concurso Café Qualidade do Paraná. O reconhecimento serviu de impulso para acreditar que o trabalho extra na lavoura valia a pena. “Até então nós não tínhamos noção do impacto do nosso trabalho nas propriedades”, diz a coordenadora do projeto. Desde então, produtoras da região sempre figuram entre os três melhores da premiação.
A partir daquele momento, a visibilidade ajudou no tino comercial do projeto, saindo apenas das formações e chegando ao mercado. Um capítulo fundamental dessa história foi a parceria estabelecida com a Capricornio Coffee, exportadora e comercializadora dos cafés da região de Ourinhos criada também em 2015. A ponte foi feita através do sócio-fundador e Q Grader José Bispo Rezende, especialista em cafés há mais de duas décadas e conhecedor da região do Norte Pioneiro.
No primeiro ano de parceria, o café especial de Matão foi exportado para Austrália, Estados Unidos e diversos países da Europa. Hoje, todo café disponível no grupo com escore acima de 86 é comprado e comercializado pela empresa.
“De lá pra cá temos demanda crescente pelo café das mulheres”, ele conta. “A gente leva ao cliente o apelo social, histórico, a questão de comunidade e da qualidade. Os cafés da região são comparados com cafés africanos, que hoje são os melhores do mundo. E nós conseguimos colocar os cafés dessa região no mesmo nível de desejo para alguns compradores, como a Austrália”, explica o especialista.
Além da venda em si, a parceria inclui o programa Four Seasons, que dá assistência técnica às mulheres durante as quatro estações do ano a fim de obter os melhores resultados possíveis. “Eles nos dão assessoria do grão à xícara”, pontua Nira Souza.
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A produtora Dulcinéia Teixeira, presidente do grupo de Matão, dedica toda sua produção à venda para a Capricornio. Em 2020, foram 20 sacas de café especial produzidas por ela e seu marido na propriedade de 1,21 hectare. “
A minha experiência nesse grupo só me agregou valor. Isso nos ajudou muito financeiramente. Há muito preconceito ainda, muita gente acha que é grupo de fofoca. Mas a gente se reúne para debater, a gente faz parte na hora da compra, a gente sabe a quanto vender o café - e se não quiser vender não vende”, defende.
DESTAQUES – Outras produtoras também se dedicam a limpar, torrar e moer o café, comercializando o produto em diferentes etapas de finalização. Sete das 21 integrantes de Matão vendem o produto já pronto para o consumo, chegando a novos consumidores.
Uma delas é Maria José Costa, que comercializa diretamente com cafeterias de Curitiba, Londrina e São Paulo. Em 2015, seu primeiro ano produzindo café especial, vendeu 30 kg do produto a R$ 1.000,00. Um de seus clientes é Léo Moço, barista premiado e proprietário do Café do Moço, na Capital paranaense. Na última safra, foram 12 sacos de café especial e 300 de commodity. Maria José e seu marido plantam 10 mil pés de cafés em dois alqueires, dos quais dois mil pés são dedicados à produção do especial.
“A associação é importante porque, sozinhas, a gente não conseguiria chegar onde chegou. O grupo ajuda em tudo em conjunto: desde o conhecimento técnico até a visibilidade de marca”, ressalta.
“No ano que eu fiz o especial pela primeira vez, todo mundo secava o café com os olhos, de tanto que criticava e falava que era perda de tempo. Eu ficava quieta, até com raiva, porque é tanto esforço! Depois que eu vendi pro Léo Moço, disse: ‘falaram do meu café, e olha o que deu’”, conta.
Nira Souza reforça que o sucesso veio depois de muito trabalho de conscientização dentro das famílias, já que o protagonismo de início era entendido com outros olhos.
“No começo, ficou parecendo que a mulherada queria mandar, até todo mundo descobrir que o dinheiro ia ficar na família do mesmo jeito. A mulher estava fazendo de tudo para aumentar sua renda. E até hoje fazemos o trabalho com o intuito de agregar melhorias para a comunidade. Poder falar para os filhos o que se faz aqui. Poder ter uma vida digna”, arremata.
PRODUÇÃO PARANAENSE – Segundo dados do Departamento de Economia Rural (Deral) da Secretaria Estadual de Agricultura e Abastecimento, no Paraná como um todo a safra de café commodity em 2020 atingiu 963 mil sacas de 60kg, produzidos em uma área total de 34.500 hectares. O Valor Bruto da Produção (VBP) do café em 2019 (último dado disponível) foi de R$ 390,3 milhões, o equivalente a 0,4% do total do Estado.
Para 2020, a estimativa é que o valor tenha atingido R$ 450 milhões, e que cresça ainda mais em 2021. O preço médio da saca em 2020 foi de R$ 468,37 - o que já representa um aumento de 20,86% com relação a 2019, cujo valor médio foi de R$ 387,50. Para 2021, o aumento registrado de janeiro a maio foi de 38,69% comparado a 2020, chegando ao preço de R$ 649,61 por saca.
O café dos municípios do Norte Pioneiro é parte da série “Paraná que alimenta o mundo”, desenvolvida pela Agência Estadual de Notícias (AEN), que mostra o potencial do agronegócio paranaense.