O dia a dia de Fátima Hirth Ruiz mudou muito há cerca de dois meses, desde que os primeiros casos suspeitos do novo coronavírus começaram a aparecer no Paraná. Enfermeira há 27 anos, ela trabalha há quatro no Hospital Universitário de Londrina e, também, presta atendimentos no Samu da região. Fátima conta como está a rotina de um profissional da saúde que atua na linha de frente de combate à Covid-19.
O HU de Londrina é um dos hospitais que estão tendo os leitos ampliados pelo Governo do Estado para atender os pacientes de Covid-19. A unidade, que é referência para 96 municípios que abrangem população de 3,4 milhões de pessoas, terá 214 novos leitos de UTI e de enfermaria. O Estado investe R$ 3 milhões em equipamentos e mais R$ 21 milhões para o custeio nos próximos seis meses.
O hospital também adotou outras medidas, como cancelamento das cirurgias eletivas para concentrar os casos suspeitos de coronavírus na região, enquanto unidades como o Hospital Evangélico e a Santa Casa recebem os pacientes com outras doenças. O setor de Moléstias Infectocontagiosas (MI), onde Fátima trabalha, remanejou para outras alas os pacientes de patologias infectocontagiosas, como Aids e tuberculose.
As duas primeiras semanas foram as mais desafiadoras, afirma Fátima, com os leitos quase completos e muitos pacientes precisando ser intubados. A enfermeira chegou a trabalhar quase 16 horas seguidas no hospital. “Mas as últimas semanas foram bem mais tranquilas, talvez em decorrência do isolamento. As pessoas estão tendo menos contato com as outras, se expondo menos, o que acabou reduzindo o número de pacientes”, diz.
Adaptações também foram feitas nos procedimentos do Samu, que agora só sai para atendimento com os profissionais totalmente paramentados. A higienização da ambulância após cada chamado, que já era praxe no serviço de urgência e emergência, também foi reforçada.
“Normalmente, quando éramos chamados, íamos com a nossa roupa padrão, o macacão do Samu e eventualmente usando uma máscara cirúrgica”, conta. “Agora, antes de sair para a ocorrência, vestimos a paramentação para chegar ao local e não correr risco de exposição. É uma proteção pessoal mesmo, porque não sabemos o que nos espera do outro lado”, diz.
PARAMENTAÇÃO – O uso de roupas adequadas e de equipamentos de proteção individual (EPI) é o que protege os profissionais de saúde de também serem contagiados pelo vírus, e todo processo de vesti-los entrou na rotina de quem está na linha de frente. Uma vez dentro do setor que atende os pacientes com Covid-19, enfermeiros, médicos e auxiliares de enfermagem evitam deslocamentos para outras áreas do hospital.
O Governo do Estado está reforçando o suprimento de máscaras, luvas, tocas, aventais, óculos de proteção e álcool em gel nos hospitais e em outros serviços de saúde. Em meados de março, a Secretaria de Estado da Saúde distribuiu 530 mil EPI para as 22 Regionais de Saúde de Paraná.
“Ao chegar no HU, visto um uniforme privativo com calça e camisa, coloco a touca e uma máscara simples, para então poder circular nos corredores da MI”, conta. “Depois disse, tenho que evitar sair do setor. Se for para qualquer outro lugar, mesmo dentro do hospital, tenho que tirar, vestir a minha roupa de fora para circular. Inclusive as refeições estão sendo oferecidas dentro do setor, para que o pessoal não precise sair”.
Para atendimento dos pacientes, os profissionais ganham mais camadas de proteção. “Para entrar na enfermaria, coloco uma máscara N95 e uma máscara cirúrgica por cima, até para tentar contaminar o menos possível a N95 e poder usá-la mais vezes”, explica. “Então visto o avental, dois pares de luvas e entro no quarto do paciente após colocar ou os óculos ou a face shield, que cobre o rosto todo”.
A preocupação maior, conta Fátima, é com a retirada da paramentação, já que há mais risco de se contaminar. “Depois de dar todo o atendimento ao paciente, antes de sair do quarto retiro a primeira luva e o avental e faço desinfecção, colocando álcool em gel dentro da luva. Lá fora, tiro parte por parte. A cada peça que retiro da paramentação, aplico álcool em gel na luva, até a retirada dela também”, explica.
E o cuidado dentro do hospital é constante. “Andamos o tempo todo de máscara cirúrgica dentro do setor e evitamos o acúmulo de pessoas no refeitório, almoça um de cada”, diz. “Mesmo na hora do lanche, evitamos conversas. Se duas pessoas estiverem comendo, uma fica distante da outra e evita-se conversar durante a refeição para que não haja a eliminação de gotículas”.
Após a rotina intensa de trabalho, a hora de voltar para casa também é cheia de atenção. “Assim que chego em casa, tiro o sapato ainda na parte de fora, faço uma desinfecção rápida nele com água e sabão, principalmente na sola. Quando entro, vou direto para o banho e minhas roupas para a lavanderia”, conta.
ATENDIMENTO – Os pacientes que chegam no hospital com dificuldades respiratórias são logo testados e encaminhados para exames, antes de serem levados ao setor de Moléstias Infecciosas, para que não precisem ser deslocados depois. “Eles só são retirados do setor caso haja necessidade de novos exames. O raio-X pode ser feito no próprio leito, mas a tomografia é feita em outro lugar”, explica Fátima.
Como o hospital opera dentro da capacidade, cada paciente fica em um leito individual, mesmo quando dois membros da mesma família são internados na mesma unidade com suspeita de Covid-19. A média de internamento tem sido de sete a dez dias, para completar o uso de medicamentos e observar a resposta do organismo dos pacientes ao tratamento.
“Na maioria dos casos de Covid-19, mais ou menos entre o quinto e o oitavo dia há uma piora no padrão respiratório. Neste período, se o próprio organismo reagir bem, ele começa a melhorar. Se não, é preciso intubar”, explica. “Normalmente as intubações ocorrem nesta fase”, diz.
CUIDADOS – O receio de muitos profissionais da área da saúde é também ser contaminado pela doença, mas nenhum colega de Fátima no Hospital Universitário ou no Samu teve sintomas até agora. Mesmo assim, a enfermeira reforça a importância de toda a sociedade colaborar para não saturar o sistema de saúde.
“Quem está recolhido em casa precisa entender que o isolamento é necessário no momento, porque ainda não sabemos como vai ser a evolução do vírus, principalmente com a chegada do frio”, alerta. “Desejo que quando tudo isso terminar as pessoas possam voltar para sua realidade, mas com outra visão de mundo, que o que vale mesmo é a vida e as pessoas que amamos”, diz.
Ela também destaca a solidariedade da população com quem está na linha de frente. “Recebemos doações de EPI de empresas, também nos mandam lanches para aproveitarmos um pouco em meio à correria do dia a dia”, conta. “Percebemos como a solidariedade é enorme, mesmo em meio às dificuldades e dentro de um isolamento. Também vemos muitos milagres no nosso setor, é uma lição muito grande para nós”, completa.
ESTRUTURA - O Governo do Estado conta hoje com 1.716 novos leitos, já em funcionamento, exclusivos para atendimento de pacientes com o novo coronavírus. São 579 apenas de UTI (adultos e pediátricos), entre implantados ou aprimorados na rede hospitalar estadual já existente, além de leitos contratados em hospitais particulares e filantrópicos. Desses novos leitos, 1.137 são de enfermaria e já estão à disposição.
Caso seja necessário, a ampliação pode ser ainda maior para assegurar atendimento adequado à população.
Ainda como parte da estratégia voltada à Covid-19, as obras dos hospitais regionais de Guarapuava, Telêmaco Borba e Ivaiporã estão aceleradas e devem ser concluídas em cerca de 40 dias – o cronograma inicial previa a finalização em dezembro.