Professora da rede usa paixão pelo censo para ensinar cidadania aos alunos de bairro de Curitiba

Rosa Maria Mello Dornelles (61), do Colégio Estadual João Bettega, no Novo Mundo, em Curitiba, é apaixonada por censos e conduziu um projeto junto aos moradores do bairro que resultou em uma lição de cidadania aos alunos.
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23/03/2023 - 08:40
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Elaborar estimativas populacionais, embasar tanto o desenvolvimento de políticas quanto a distribuição de verbas públicas e, acima de tudo, promover o conhecimento aprofundado da situação do País. A importância dos censos – demográficos, populacionais, habitacionais – reside no levantamento de dados fundamentais à compreensão da realidade e do contexto de uma população. 

Nesta reportagem da série do Mês da Mulher, a Secretaria estadual da Educação e a Agência Estadual de Notícias contam a história da professora Rosa Maria Mello Dornelles (61), do Colégio Estadual João Bettega, no Novo Mundo, em Curitiba. Ela é apaixonada por censos e conduziu um projeto da escola junto aos moradores do bairro que resultou em uma lição de cidadania aos alunos.

O envolvimento de Rosa com a pesquisa de dados começou em Florianópolis em 2003. Na época, ela vivia uma pausa profissional. “Minha filha mais velha se mudou para Santa Catarina em razão da faculdade e, para acompanhá-la na etapa inicial da vida acadêmica, me mudei. Tomei esta decisão porque entendi que seria importante estar ao lado dela naquele momento”, conta.

Ironicamente, a própria Rosa, meses mais tarde, frequentaria os bancos da universidade. “Me matriculei no curso de Ciências Sociais da Universidade Federal de Santa Catarina, onde tive contato com o Laboratório de Estudos da Violência. Interessei-me pela atividade e, logo, consegui uma bolsa para participar das pesquisas junto à Secretaria de Segurança Pública de Santa Catarina”, relembra.

Não demoraria para que, sobre a escrivaninha de Rosa, pilhas e pilhas de arquivos e processos judiciais se acumulassem junto a mapas e gráficos da cidade.

“Começamos uma pesquisa para entender o aumento dos índices da violência na capital catarinense entre 2000 e 2022. Para tanto, analisei 182 processos de homicídios, além dos arquivos da polícia local. Foi um trabalho extenso. O resultado ajudou os órgãos de segurança pública a compreenderem e mapearem os pontos vulneráveis”, revela. 

Uma das conclusões do trabalho foi a de que, ao contrário do que as forças de segurança supunham, o aumento dos homicídios estava atrelado à ocupação de áreas de invasão, com presença mínima de políticas públicas, e não ao tráfico de drogas.

“A pesquisa foi apresentada num congresso latino-americano de órgãos públicos de segurança e mostrou que fenômenos semelhantes estavam acontecendo em outros municípios, estados e países. A partir daí, propostas para um novo planejamento habitacional foram discutidas em nível municipal, tendo em vista reduzir os índices da violência em detrimento do plano inicial, que era intensificar a repressão ao crime organizado”, conta.

A partir de então, a curiosidade em descobrir as particularidades sociais e os clamores das vizinhanças por onde passava se tornou rotina para a professora que, de volta à Curitiba em 2008, encontrou terreno fértil para repassar o que aprendeu durante a Feira de Conhecimentos do Colégio Estadual João Bettega, onde ensinava Sociologia.

“A abordagem da feira daquele ano girou em torno dos Direitos Humanos. Foi então que eu, a Wilma Alvares, diretora da escola, e mais alguns professores tivemos a ideia inicial. Faríamos uma atividade especial com alunos, na qual eles atuariam como recenseadores demográficos”, conta. No fim de 2020, ainda durante a pandemia, o projeto finalmente saiu do papel.

A atividade aconteceu no entorno da escola, onde os alunos foram à campo no terceiro trimestre do ano letivo. O objetivo era identificar as principais necessidades dos moradores em termos habitacionais e de infraestrutura, como pavimentação, iluminação, coleta de lixo, abastecimento de água. A metodologia era parecida com o censo populacional, mas numa abordagem mais crítica.

Cerca de 70 alunos do ensino médio participaram. Durante três dias eles entenderam na prática como trabalham os recenseadores e perderam alguns medos de convívio social, mesmo distantes da vacinação em massa contra a Covid-19 que só ocorreria dali a alguns meses.

Para a coleta dos dados, as turmas foram divididas e distribuídas por região, sendo devidamente monitoradas e acompanhadas por uma equipe multidisciplinar de professores. No questionário foram incluídas perguntas como: “já houve alguma situação no bairro que fez você pensar em se mudar?”; “a quem você recorre quando precisa de ajuda?” e “você considera este bairro melhor do que aquele em que você morava anteriormente?”. Mais de 100 residências foram visitadas pessoalmente pelos estudantes.

“Para avisar a população do bairro que faríamos a pesquisa, contamos com a ajuda de uma pedagoga que trabalha junto à zeladoria do município. Ela foi responsável por mapear a região e coordenar a distribuição de panfletos para os moradores. Já para o processamento dos dados, contamos com a ajuda de um professor de programação. Foi um esforço conjunto, cujo resultado marcou de forma definitiva a vida dos alunos, que entenderam de maneira muito clara onde vivem, os dilemas locais e as conquistas que ainda precisam alcançar coletivamente”, ressalta.

O saldo positivo da atividade não demorou a aparecer. Ainda antes que os dados coletados fossem catalogados, uma demanda apontada pelos moradores e identificada pelos alunos logo nos primeiros encontros foi resolvida com articulação coletiva. “O Rio Formosa é um dos que cortam a região do Novo Mundo. Ao longo do censo identificamos que, devido ao descarte inadequado, pilhas de lixo e entulho estavam se acumulando nas margens. A água, já seriamente poluída, viraria foco de doenças que poderiam afetar toda a comunidade”, relembra. 

Graças ao apelo dos alunos junto à Prefeitura de Curitiba, a partir dos dados apurados, dois caminhões retiraram cerca de 12 toneladas de lixo das margens poucos dias depois da pesquisa.

“Pertencimento à comunidade”. É desta forma que Fabio Diogo Araújo Rodrigues, aluno do 2° ano do ensino médio do Colégio Estadual João Bettega, resume como se sentiu ao fim da atividade. “Aprendi a observar com mais atenção a realidade da comunidade que, infelizmente, escapa ao olhar da maioria que vive em outros bairros. Um censo ajuda a entender melhor alguma localidade. Com o nosso censo, levantamos um perfil e algumas urgências, o que resultou numa conexão ainda maior entre todos os participantes: moradores, alunos e professores”, afirma.

“Conhecer e aproximar as pessoas, ouvir cada história com atenção, estar a par do cotidiano e debruçar um olhar humano sobre a sociedade. Por meio do censo tudo isso é possível e, certamente, essa experiência será lembrada por muitos e muitos anos pelos alunos. Tal aprendizado contribui para além da formação regular, mas também para a construção do caráter”, ressalta Rosa Maria.

“Agora a ideia é dar seguimento à atividade com as próximas turmas, de modo a buscar soluções para os problemas levantados com a pesquisa e contribuir para a construção de uma comunidade cada vez mais integrada e saudável”, arremata.

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