Pesquisa genômica pode trazer respostas à Covid-19 e outras doenças

Coordenador da Rede Paranaense de Pesquisa Genômica e idealizador do Vale do Genoma, o médico e professor David Livingstone Figueiredo é um dos principais nomes da área no Estado. Nesta entrevista, ele explica como os estudos genéticos vão ajudar no tratamento de doenças.
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23/03/2021 - 09:40

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O Paraná está consolidando uma estrutura para avançar nos estudos genéticos, o que pode trazer repostas mais sofisticadas e acertadas no tratamento de doenças, focando na necessidade de cada indivíduo. Em julho do ano passado, o Estado implantou a Rede Paranaense de Pesquisa Genômica, que faz parte do Novo Arranjo de Pesquisa e Inovação Genômica (Napi Genômica). No início deste mês, o grupo passou a compor a Rede Corona-ômica Brasil, uma rede nacional que permite o compartilhamento de análises genéticas de pacientes infectados pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2).

Na quinta-feira passada (18), foi dado início ao Vale do Genoma, um ecossistema de inovação que será instalado em Guarapuava, no Centro do Estado, voltado diretamente à pesquisa genômica e à inteligência artificial aplicadas à área da saúde, mas com foco também na agricultura e na pecuária. O projeto conta com a participação do Governo do Estado, por meio da Superintendência Geral de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior e da Fundação Araucária, da academia e da iniciativa privada.

Um dos principais nomes da área no Estado é o médico e professor David Livingstone Figueiredo, chefe do Departamento de Medicina da Universidade Estadual do Centro-Oeste do Paraná (Unicentro), coordenador da Rede de Pesquisas Genômicas e diretor-presidente do Instituto de Pesquisa do Câncer de Guarapuava (Ipec), além de ser um dos idealizadores do Vale do Genoma.

Nesta entrevista, Livingstone destaca que os estudos genéticos são o grande avanço da medicina, que irá tratar, no futuro, cada paciente individualmente, de acordo com suas características genéticas. Da mesma forma, esse tipo de estudo também ajuda a entender, no presente, o desenvolvimento do novo coronavírus, as variantes do SARS-CoV-2 e quais respostas podem ser aplicadas a elas.

Outro campo de aplicação é na agropecuária, com a melhoria genética de plantas e animais que ajudam a evitar pragas e doenças, melhoram a produtividade e garantem processos mais avançados na criação de rebanhos, com as características que vão ao encontro do interesse do produtor.

O Paraná foi um dos primeiros estados a formatar uma Rede de Pesquisa Genômica com foco na Covid-19. O que se espera com esses estudos?

O Napi Genômica conta com a participação das sete universidades estaduais, da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e de algumas instituições de ensino superior privadas, como a PUCPR e as Faculdades Pequeno Príncipe. São 17 instituições, além de parceiros como a Universidade de São Paulo (USP), a Universidade Estadual Paulista (Unesp) e a Faculdade de Medicina de Marília. Temos vários projetos desenhados nessa área, começando pelo Napi Genômica, que congrega mais de 200 pesquisadores do Estado. O projeto está focado atualmente no estudo da Covid-19 e o sequenciamento genético do SARS-CoV-2 e do exoma, a fração do genoma que codifica os genes dos pacientes. Estudos interessantes devem sair em breve com esse foco e, para meados de abril, vamos lançar mais de 30 propostas de projetos envolvendo as diferentes áreas de conhecimento da genômica: saúde, agricultura e pecuária. Queremos construir um modelo muito rico, com a participação da iniciativa privada para investir nesses projetos. Nossa intenção é desenvolver pesquisas que tenham uma aplicação fora da academia, que virem produtos e tragam benefício para a população.

Como a participação na rede nacional vai ajudar a fomentar esses estudos, principalmente no que diz respeito ao novo coronavírus?

Quando o Napi Genômica foi idealizado, o foco não era a Covid-19, mas tudo que envolvesse a pesquisa genômica. Porém, com o advento da pandemia, percebemos que tínhamos como contribuir para entender o desenvolvimento da doença e hoje somos um dos poucos centros do Brasil que estão sequenciando o vírus. Com o apoio da Seti e da Fundação Araucária, conseguimos um recurso interessante para sequenciar 300 amostras do coronavírus e 300 exomas de pacientes. Vamos olhar para mais de 25 mil genes de pacientes e associar às gravidades da doença e, mais do que isso, para também entender a importância do aspecto epidemiológico com o sequenciamento genético de mais de mil amostras do coronavírus. Isso vai ajudar a descobrir quais cepas estão realmente circulando no Estado, com uma amostra significativa, proporcional e bem desenhada, de todo o Paraná. Daqui um tempo, vamos fazer de novo sequenciamento para ver como a Covid-19está evoluindo. É um estudo de muita importância para entender a gravidade da doença, as respostas à vacina e tudo mais.

O que se conseguiu apurar até agora com o sequenciamento genético do SARS-CoV-2?

Nós já temos dados de que a cepa P2, a segunda variante identificada no Brasil, descrita pela primeira vez em janeiro deste ano no Rio de Janeiro, já estava circulando no Paraná desde o outubro do ano passado. Provavelmente, com o novo sequenciamento que vamos fazer, que colocará o Paraná como um dos estados que mais vai sequenciar amostras, vamos achar muitas coisas interessantes, que vão refletir em aprendizados que vão ajudar o Estado a lidar com a pandemia mais para frente.

Além da Rede Genômica, seu novo projeto é a implantação do Vale do Genoma. O que esse ecossistema vai representar para essa área de pesquisa?

O Vale do Genoma é um projeto maior nessa área porque consegue reunir a iniciativa privada, a academia e o governo de maneira bem clara, desde a assinatura do Memorando de Entendimento até a execução do projeto. O que será construído em Guarapuava é algo inédito e único no País, um ambiente com recurso privado, que não depende só do setor público, mas o tem como parceiro. Temos iniciativas de inovação no Brasil que acabam ficando muito restritas, ou é um parque que incuba algumas empresas, ou um parque que faz algumas pesquisas. Aqui teremos isso tudo, desde a pesquisa inicial, a avaliação se ela é economicamente viável, a aplicação e o desenvolvimento dos projetos por meio das startups, até chegar ao escalonamento desses produtos, sua produção em larga escala. Queremos criar um ambiente que não existe no Brasil, um completo ecossistema de inovação e referência na pesquisa genômica, nos mesmos moldes do Vale do Silício, nos Estados Unidos.

Foto: Geraldo Bubniak/AEN

Mais do que promover a pesquisa genômica, a ideia é criar um ambiente de negócios nesta área?

Sim, são negócios nos dois pontos de vista, tanto no financeiro como na prática, para trazer respostas à sociedade. Primeiro precisamos de dinheiro para produzir pesquisa e fazer girar a economia. Com isso, podemos trazer uma resposta prática a partir dos estudos genômicos. Se encontrarmos marcadores para certas doenças, isso é uma resposta prática. Se conseguirmos melhorar a produção de soja com a pesquisa genômica, é um resultado prático que reflete na questão econômica, mas também na melhoria de qualidade de vida. Essa é a ideia. Somos muito bons em fazer pesquisa no Brasil, mas ainda não conseguimos aplicá-las à realidade, elas acabam virando papers (artigos científicos apresentados em congressos ou eventos de determinadas áreas), mas não projetos práticos. Por isso precisamos mudar o conceito e dar esse direcionamento às pesquisas que realmente importam para a humanidade.

Que tipo de resultado a pesquisa genômica traz no enfrentamento a doenças? Se fala muito do câncer, mas quais outros tipos de doença podem ser abordadas neste tipo de pesquisa?

Todas as doenças humanas podem ser e serão abordadas a partir da genômica, especialmente as doenças crônicas. Usamos agora o sequenciamento genético para entender a Covid-19, mas também poderemos usar para tratar hipertensão, diabetes, doenças endócrinas, todas elas. O câncer é muito estudado atualmente porque será uma das principais causas de morte na próxima década, mas todas elas podem ser abordadas, inclusive as doenças mentais. Estamos tocando agora um projeto para o diagnóstico genético da deficiência mental idiopática (aquela que ocorre por causas naturais). Hoje, 70% das crianças com doenças mentais não têm diagnóstico, o que é um absurdo. Vamos criar um modelo de diagnóstico, desde a clínica até a abordagem genômica. Todas as doenças podem ser abordadas, e elas serão cada vez mais abordadas segundo essa análise. Não vamos tratar no futuro o paciente com diabetes como qualquer paciente, vamos tratar individualmente, de acordo com o perfil de expressão gênica, de acordo com o seu gene. Isso é medicina personalizada, que é o que queremos fazer no Vale do Genoma. Isso só pode ser feito reunindo duas coisas, genômica e inteligência artificial.

A ideia é tornar o Vale do Genoma uma referência?

Nossa expectativa é grande. A Rede Genômica já é uma referência nacional, já temos esse reconhecimento, tanto que fomos convidados para entrar na Rede Corona-ômica. Não tenho dúvidas de que, se continuarmos com esse propósito de fazer as coisas bem-feitas, em breve seremos referência para o mundo como ecossistema de inovação, de ter um ambiente que traga respostas práticas a tantas dúvidas que temos. O Vale do Genoma é uma superestrutura, um conjunto de infraestruturas públicas e privadas como o grupo Jacto, o Ipec, a Fundação Araucária e a Seti, sendo que cada uma dessas instituições tem seu próprio CNPJ, mas trabalham em um sistema de coopetição, que une a cooperação à competição, como é no Vale do Silício. Teremos aqui diferentes comitês, utilizando vários espaços. Será um ambiente para estimular a inovação.

E além da área da saúde, como esses estudos podem ser aplicados na agropecuária?

Tem um campo vasto para aplicação da pesquisa genômica na agricultura e na pecuária, tanto que a fundação de pesquisa da Cooperativa Agrária, de Guarapuava, já tem um convênio conosco. Com estudos genéticos poderemos evitar novas pragas, tornar a produção mais prática. Na pecuária, a seleção por fenotipagem, aquela que busca selecionar as características físicas dos animais, é limitada, então quando conseguimos ter marcadores genéticos fica mais fácil para selecionar a característica que queremos para aquele animal. Eu não olho mais para a cara dele, olho para o gene.

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