Em 2020, em meio ao isolamento social, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Brasil registrou 1.350 casos de feminicídio – mulheres que foram assassinadas por sua condição de gênero, ou seja, morreram por serem mulheres. Esse crime, que tem o ódio como a motivação, representa 35,5% dos homicídios dolosos de mulheres no país, no período. Os números mostram a inegável necessidade de ações efetivas de combate e prevenção à violência contra a mulher.
Na Unicentro, esse trabalho é realizado, desde 2018, pelos Núcleos Maria da Penha, que oferecem atendimento jurídico e psicológico gratuito a mulheres vítimas de violência doméstica. Desde sua implantação, o projeto foi responsável, somente na unidade de Guarapuava, pelo ajuizamento de 231 ações, 432 atendimentos psicológicos e mais de 4.800 atendimentos telefônicos.
Em Irati, desde o início do programa, já foram realizados 1.836 atendimentos com o acompanhamento de 235 mulheres. Em 2021, até o início de novembro, o programa auxiliou, jurídica e psicologicamente, 73 mulheres.
“O Numape atende gratuitamente mulheres e seus filhos que estejam em situação de violência doméstica, oferecendo apoio jurídico através de seus advogados, ajuizando ações de reconhecimento e dissolução de união estável, divórcio, guarda, alimentícia, partilha de bens, entre outras. E também o atendimento psicológico, com um espaço de fala e escuta, no qual é possível acolher e orientar essas mulheres para que elas consigam sair do ciclo de violência”, detalha a professora Marion Stremel, uma das coordenadoras do Numape Unicentro Guarapuava.
O trabalho integra a Rede de Enfrentamento a Violência contra a Mulher e tem como parceiros, por exemplo, o Centro de Referência no Atendimento à Mulher (Cram) e a Secretaria Municipal de Políticas Públicas para Mulheres. São eles que encaminham parte das vítimas ao Numape.
Uma dessas mulheres, que tem a identidade preservada, conta que viveu um relacionamento abusivo por 11 anos. Para ela, o apoio psicológico encontrado no Numape foi fundamental no processo de rompimento do ciclo da violência.
“Durante todo esse tempo, houve muitas traições, que eu achava que eram coisas da minha cabeça. Ele me chamava de maluca. Diante de tudo, eu achava que ia melhorar, que ia passar e ficar tudo bem. Mas não ficou”, conta.
Quando o filho completou um ano, ela pediu a separação e conta que foi muito difícil. “Ele não queria sair de casa, mas eu fiz com que ele saísse, porque a gente morava com os meus pais e, a partir daí, eu fui tentando me recuperar", completa.
Hoje, ela ressalta o alívio em perceber que não está sozinha no processo de recuperação e incentiva outras mulheres a buscarem ajuda. “Eu acho que todas as mulheres que passam por qualquer tipo de violência, seja física ou psicológica, não podem ter medo e nem vergonha de procurar um atendimento, porque a vida da gente vale muito mais. Demora, não é um processo fácil, é um processo muito lento, muito demorado, mas vale muito a pena porque a gente passa a ter uma vida muito melhor depois disso”, afirma.
DIREITOS NEGADOS – Coordenadora da área de psicologia do Numape Unicentro Guarapuava, a professora Carla Blum Vestena explica que casos como esse se dão pela perda de liberdade da mulher, que tem seus direitos negados pelo companheiro.
“Muitas vezes, elas perdem a liberdade de ir e vir, ficam em situação de ameaça pelos cônjuges, têm suas vidas ameaçada. Outras se colocam em uma situação de proteção dos filhos, pois alguns cônjuges se mostram violentos contra as crianças. Então, em relação a toda essa perda de liberdade que a mulher tem até em casa, muitas vezes ela tem que abandonar sua casa e ir para outro lugar para se sentir mais segura. O Núcleo Maria da Penha pode auxiliar essa pessoa que está passando por esse sofrimento dando o apoio jurídico e psicológico”, afirma.
IRATI – As mesmas premissas de acolhimento e apoio à mulher vítima de violência doméstica são seguidas pelo Núcleo Maria da Penha Unicentro Irati. “O projeto atua em parceria com toda a Rede de Proteção à Mulher aqui de Irati. Na cidade não contamos com uma delegacia especializada, com um centro de referência para mulheres e nem com uma secretaria da mulher”, explica a coordenadora do Numape Unicentro Irati, professora Katia dos Santos.
Segundo ela, o Numape se articula com o serviços de assistência social, como o Creas (Centro de Referência Especializado em Assistência Social) e o Cras (Centro de Referência em Assistência Social), que são órgãos que atendem às mulheres e fazem encaminhamentos. “Também temos uma parceria bem interessante com a Patrulha Maria da Penha, que foi recentemente implantada em Irati e que começou a funcionar, efetivamente, no final de 2019”, destaca
Outro aspecto relacionado à atuação do Núcleo Maria da Penha salientado pela docente é a formação dos profissionais, a partir da participação, como bolsistas, de estudantes e recém-formados. “O Numape é o único órgão especializado que temos em Irati. Mas, principalmente, a gente pode falar da importância do projeto na formação das bolsistas. Elas têm uma experiência muito importante, saem bastante preparadas. A gente trabalha com supervisões semanais, discussões de casos, grupos de estudo. Então, elas têm o início da atuação profissional bastante assistido pelas orientadoras das duas áreas – psicologia e direito”, complementa a professora.
Uma dessas bolsistas é a Mônica Karpinski. Ela participou do projeto ainda como graduanda e, agora, como recém-formada, segue integrando a equipe do Numape Unicentro Irati.
“Além dos atendimentos psicológicos supervisionados, essa experiência me proporcionou participar de reuniões de equipe multidisciplinar, dentro do próprio projeto, mas também reuniões com a rede intersetorial de dentro e até fora do município, ações em escolas”, conta. “Além disso, há a produção científica dentro do projeto de extensão, com produção e divulgação de pesquisas que a gente produz a partir da nossa prática cotidiana. Isso é muito interessante também, essa oportunidade de fazer uma pesquisa vinculada diretamente a um projeto de extensão”.
Fabíola Bahls também é bolsista do Numape, mas na área do Direito. Cursando o oitavo período do curso, ela avalia que a participação nas ações do projeto evidencia o quanto uma formação profissional que valoriza o olhar humanizado é importante. “Participar do Numape é muito importante, por conta do aspecto social que ele tem. Afinal, mais do que o acompanhamento dessa mulher que foi violentada, ele possibilita que o ciclo da violência se quebre, se rompa”, afirma.