Este foi um ano intenso e agitado no Museu Paranaense – tanto para o corpo técnico quanto para o público fiel que por ali passou nesses últimos 12 meses. Em 2022, a instituição centenária se firmou como um centro aglutinador do que há de mais importante nas discussões contemporâneas dentro dos campos das Ciências Humanas, Sociais, da Terra, e das Artes, e não apenas no Paraná. No total, foram mais de 65,4 mil visitantes que passaram pelo espaço no período entre janeiro e novembro de 2022, um aumento de 6,7% em relação ao mesmo período em 2019 (ano pré-pandemia).
O movimento foi tão grande (maior da história) que o MUPA, terceiro museu mais antigo do Brasil, ganhou uma significativa e inédita projeção nacional este ano, por meio de projetos e parcerias com outras instituições de prestígio e do reconhecimento da imprensa fora do Estado. Memória, identidades, cosmovisões, descolonização, ecologia, reparações históricas, saberes e expressões populares foram alguns dos conceitos que foram debatidos e aprofundados nas ações do museu, entre convidados e público.
O público, aliás, merece destaque especial na retrospectiva do ano do Museu Paranaense. De estudantes universitários a artistas, de grupos escolares a famílias, de turistas a pesquisadores acadêmicos, de indígenas a quilombolas, os visitantes que o museu recebeu e segue recebendo são plurais e fiéis, pois participam ativamente de dezenas de eventos, realizados quase semanalmente, do começo ao fim do ano. Eventos sempre gratuitos para democratizar cada vez mais o acesso à cultura para todos os interessadas.
PROGRAMA PÚBLICO – O ano no MUPA começou com o lançamento do Programa Público “Se Enfiasse os Pés na Terra: relações entre humanos e plantas”. De janeiro a maio, foram 44 ações artísticas, educativas e culturais. Foram 26 convidados, entre artistas, pesquisadores, mestres e detentores de saberes tradicionais, escritores, arquitetos, cozinheiros, produtores e membros de coletivos indígenas, convidados de Curitiba e Região, São Paulo, Acre, Rio de Janeiro, Pará, Amazonas e França. Mais de 20 mil pessoas foram alcançadas de forma presencial ou on-line.
Um Programa Público é uma forma de convidar o visitante a pensar sobre um assunto e se envolver com ele. Para isso, mais do que uma exposição ou um evento, o museu planejou uma série de ações que durante cinco meses ininterruptos mantiveram a temática em evidência, a partir das mais diferentes perspectivas do conhecimento.
A ideia era que o visitante pudesse experimentar, aprender, conhecer, ouvir e sentir de uma forma mais profunda aquilo que estava sendo apresentado, debatido ou criado. E isso pode provocar um impacto intelectual, emocional e cultural transformador, não apenas em escala pessoal, mas na vibração cultural mais ampla.
Com este Programa Público, o MUPA assumiu o compromisso de levar seu público a uma verdadeira jornada de saberes ancestrais, científicos e artísticos que marcam o tecido dos vínculos entre seres humanos e seres vegetais.
ESPAÇO VITRINE – Em janeiro de 2022, o MUPA lançou também o II Edital de Ocupação do Espaço Vitrine, que recebeu 61 propostas de artistas, arquitetos, artesãos e pesquisadores do Paraná, Goiás, Rio Grande do Sul, São Paulo, Minas Gerais, Ceará, Rio de Janeiro e Santa Catarina.
No mês de março, foram anunciadas três propostas vencedoras, que ao longo do ano foram apresentadas ao público no Espaço Vitrine do Museu. Foram elas: “Folha de Papel”, de Manoela Cavalinho, “Segunda Natureza”, de Milla Jung, e “Coleção à brasileira: uma visita à colecionadora–diarista”, de Everton Leite. Nessa segunda edição, além de custear gastos relacionados à montagem, os selecionados receberam uma contrapartida financeira de R$ 2,5 mil cada.
Esse programa tem como objetivo trazer exposição nas áreas de Artes Visuais, Design e Arquitetura em diálogo com as disciplinas científicas da instituição: Antropologia, Arqueologia e História, promovendo a interdisciplinaridade entre esses diferentes campos de atuação. A comissão julgadora foi formada por quatro representantes da sociedade civil e dois colaboradores da equipe do MUPA.
PROJETOS ESPECIAIS – Em maio, paralelamente às atividades do Programa Público, o MUPA realizou um dos encontros mais significativos e também delicados que já aconteceram em seus 145 anos de fundação. De um lado, o público fiel do MUPA, sempre receptivo a conhecer diferentes cosmovisões; do outro, os indígenas Beprere Kayapó, Kokodjy Kayapó, Mrynho re Kayapó, Bekwynhtokti Kayapó, Mrodjanh Kayapó e Moxare Kayapó.
O grupo da etnia Mebêngôkre-Kayapó fez uma verdadeira travessia pelo Brasil, saindo (alguns pela primeira vez na vida e sem falar português) da aldeia Kubenkrãkenh, município de Ourilândia do Norte, localizada no Pará, para compartilhar habilidades e saberes ancestrais no museu. Eles foram acompanhados do início ao fim da grande viagem pelo antropólogo Daniel Tibério Luz, da Associação Floresta Protegida.
No total, levaram cinco dias para chegar até Curitiba, com a jornada dividida entre trajeto a pé, de barco, caminhonete e, por fim, o trajeto aéreo.
O motivo central da jornada dos Mebêngôkre-Kayapó foi ficarem frente a frente, pela primeira vez, com um acervo etnográfico e imagético que registra seu povo e está na instituição há mais de meio século – só recentemente o grupo soube da existência desse acervo. Eles estão representados no museu por meio da Coleção Vladimir Kozák e da Coleção João Américo Peret. No total, 480 objetos de origem direta Kayapó e de registros secundários feitos por pesquisadores estão salvaguardados pelo Museu Paranaense.
A ação foi pauta de matéria especial na revista "Piauí", destacando que o encontro desses indígenas que vivem no Norte do Brasil com um importante acervo sobre seu povo, resguardado por uma instituição museológica do Sul do país, faz parte de uma política de reparação histórica iniciada pela atual gestão do MUPA.
Na agenda da visita dos indígenas houve também espaço para trocas com o público. Nos dias 14 e 15 de maio, o grupo de mulheres indígenas realizou a oficina “Jenipapo, pintura corporal e grafismos Mebêngôkre-Kayapó”, na qual pintaram com a pigmentação oriunda de dois elementos vegetais – o jenipapo e o carvão vegetal – partes do corpo dos visitantes interessados em conhecer mais a sua cultura tradicional.
As pinturas corporais são consideradas roupas que versam sobre as fases da vida: luto, nascimentos e cerimônias. Mais de uma hora antes do evento começar, a fila de espera já estava do lado de fora da sala onde aconteceu a oficina.
BOLSISTAS INDÍGENAS – Ainda no âmbito dos trabalhos com povos originários, o MUPA promoveu em maio deste ano uma chamada aberta voltada à seleção de estudantes indígenas universitários para atuarem como bolsistas no museu entre junho de 2022 e março de 2023. Os três selecionados estão, atualmente, focados em atividades de pesquisa, curadoria e consultoria para uma nova exposição abordando temáticas da cultura indígena, com data de inauguração a ser anunciada. Eles recebem uma bolsa mensal no valor de R$ 800,00.
CIRCUITO TEMPORÁRIO – Em junho, o MUPA lançou a exposição temporária “Necrobrasiliana”, em parceria com a Fundação Joaquim Nabuco, de Recife (Pernambuco), dando continuidade ao intercâmbio entre as duas instituições, iniciado em 2020. Com curadoria de Moacir dos Anjos, a mostra apresenta um conjunto de obras de artistas brasileiros contemporâneos que reinterpretam e reinventam o acervo documental – visual e escrito – denominado brasiliana.
Por estarem presentes na memória coletiva dos brasileiros, essas representações acabam por normalizar as violências do colonialismo. Participaram da mostra os artistas Ana Lira, Dalton Paula, Denilson Baniwa, Gê Viana, Jaime Lauriano, Rosana Paulino, Rosângela Rennó, Sidney Amaral, Tiago Sant’Ana, Thiago Martins de Melo, Yhuri Cruz e Zózimo Bulbul.
Outra exposição temporária inaugurada no museu este ano, em outubro, foi a individual de Marilá Dardot, “ainda sempre ainda”. Marilá é artista visual e mestre em Artes Visuais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, vive e trabalha na Cidade do México. Seus trabalhos atravessam, entre outros pontos, a memória constituída pela cultura: de obras que lidam com livros, literatura e linguagem até as que tratam de temas apagados da história por posições políticas, censura, gênero ou pelo tempo.
Mostras de longa duração e a ampliação do acervo (o olhar para as lacunas do acervo centenário do Museu Paranaense), bem como a reformulação de apresentação de parte desses itens em novas conjunturas expográficas, norteou os dois projetos de mostras de longa duração inaugurados em 2022 no MUPA.
Em junho, a exposição “Nosso Estado: Vento E/Em Movimento” mergulhou nas histórias e identidades de povos que formam e seguem formando o Paraná. Elaborada a partir de dois eixos principais — Deslocamentos por dentro e Deslocamentos pela margem — que se dividem em cinco núcleos cada, a mostra foi o resultado final de uma grande pesquisa iniciada pela equipe do museu em fevereiro de 2020.
Houve um esforço da instituição pelo aprofundamento das representatividades na produção e no conceito expositivo, buscando desviar de estereótipos como o de que somente populações europeias formaram o Paraná, ou armadilhas que tentam essencializar o que é “o caiçara”, romantizando a relação dessa população com seu território. Isso só foi possível porque são as pessoas que narram sua experiência e não mais é o “museu” que fala por elas.
Os vídeos-depoimento gravados para a mostra agora fazem parte do acervo documental do museu, assim como alguns objetos, como uma canoa caiçara e uma bandeira do povo cigano, que integram recentemente o acervo material do MUPA, a partir de uma política de ampliação e atualização do acervo museal.
"Ante ecos e ocos" foi a segunda exposição de longa duração lançada no ano. Apresenta a cultura afro-brasileira por meio de um recorte mais local, abrangendo as heranças africanas do Paraná, a partir de objetos que integram o acervo do Museu. Seis núcleos principais desenham a narrativa dessa mostra que aborda o quilombo, o Carnaval, a religiosidade, a congada, o período do pós-abolição e a capoeira.
A mostra foi constituída a partir de um processo de curadoria compartilhada, a exposição foi idealizada por Bruna Reis, Diogo Duda, Emanuel Monteiro, Fernanda Santiago e Geslline Giovana Braga, e acompanhada pela equipe do Museu Paranaense formada por Richard Romanini, Josiéli Spenassatto e Felipe Vilas Bôas.
AMPLIAÇÃO DO ACERVO – De 2019 para cá, foram 2.504 itens incorporados ao acervo do museu. 1.070 deles incorporados via aquisição (compra e doação) e formação/criação, como depoimentos em áudio (mostra “Ante ecos e ocos”), depoimentos em vídeo (mostra “Nosso Estado: Vento E/Em Movimento”), registro de performance (“Entre caboclos e baianas”, de Leo Kunta), registro de roda de capoeira (mostra “Ante ecos e ocos”).
Além de aumentar o acervo, a gestão também teve grande foco no cuidado com as peças já existentes. A restauração de obras e peças faz parte de um esforço sistemático do Museu Paranaense em preservar o patrimônio material e imaterial que é salvaguardado no acervo da instituição. Entre 2019 e 2022, 25 itens passaram por processo minucioso de restauração. Em novembro de 2022, o público pode conferir de perto o resultado de uma dessas ações de restauração do acervo através da mostra “Lange de Morretes: entre paisagens”.
JULHO DAS PRETAS – História, memória e legado das mulheres negras também foi pauta de debates no MUPA este ano. Durante o mês de julho, o Museu Paranaense recebeu uma série de ações para marcar e celebrar o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha.
ACESSIBILIDADE – O ano de 2022 foi também de aprofundar e melhorar a acessibilidade do Museu Paranaense. Todos os eventos do Programa Público contaram com tradução simultânea em Libras, bem como vídeos e áudios das exposições, que foram disponibilizados com tradução em Libras e audiodescrição. Houve a promoção de uma visita mediada em Libras em setembro, marcando o Setembro Azul (mês do orgulho surdo) e atendimentos específicos no departamento Educativo.
PUBLICAÇÕES – Como material complementar às mostras e projetos, o MUPA lançou este ano algumas publicações físicas em formato de jornal, distribuídas sempre gratuitamente. Foi o caso das publicações “Necrobrasiliana”, “Nosso Estado: Vento E/Em Movimento”, “ainda sempre ainda”, “Ante ecos e ocos”.
No formato livro, foram três publicações: “Programa Público Se Enfiasse os Pés na Terra”, “Ver: coleções antropológicas Museu Paranaense e Museu do Homem do Nordeste” e “Independências do Brasil: dossiê 200 anos”.
Esse último foi resultado de um edital público, lançado em parceria entre MUPA e Fundaj (Fundação Joaquim Nabuco), que visou selecionar textos acadêmicos inéditos sobre como os movimentos pela Independência em 1822 foram influenciados por processos locais, difundindo a pluralidade na participação de cada região do país neste momento histórico.
REFORMA ESTRUTURAL – Em novembro, mais uma boa notícia foi divulgada: a primeira reforma estrutural do MUPA em 20 anos começou no final de 2022. Sem fechar para o público, ele está em processo de restauro e reforma. Segundo o cronograma, as obras devem durar entre quatro e seis meses e não acarretarão em nenhum momento o fechamento do museu ao público ou maiores transtornos para quem frequenta o espaço.
As ações previstas no projeto visam garantir a integridade e preservação do patrimônio histórico tombado, tornando o espaço mais adequado para a realização de ações museológicas e de atividades educativas e culturais. Além das ações de restauro, o projeto prevê a implantação do Plano de Segurança Contra Incêndio e Pânico (PSCIP) e a adequação do prédio às normas de acessibilidade.
MUPA – Fundado em 1876, o Museu Paranaense foi a primeira instituição científica e cultural do Paraná. O museu guarda um acervo com mais de 500 mil peças, um dos mais importantes da América Latina. Entre suas coleções estão conjuntos etnográficos, arqueológicos, históricos e artísticos tombadas em 1941 pelo Instituto do Patrimônio Histórico.
Além dos eixos temáticos História, Arqueologia e Antropologia, o MUPA abre espaço para outras narrativas, criando conexão entre as ciências e a arte contemporânea. Atualmente, a instituição tem apostado em trazer ao público itens de seu acervo secular de forma interdisciplinar, convidando agentes de campos científicos e artísticos para lançar diferentes olhares sobre os objetos históricos, antropológicos e arqueológicos.
Serviço:
Rua Kellers, 289, São Francisco – Curitiba
Funcionamento: de terça a domingo, das 10h às 17h30
Entrada gratuita
Saiba mais em: www.museuparanaense.pr.gov.br / @museuparanaense