Antonina já recebeu um show de Carmen Miranda, hospedou Dom Pedro II, Olavo Bilac e Santos Dumont, foi sede das indústrias Matarazzo, mandou pracinhas para a 2ª Guerra Mundial, acolheu Belarmino e Gabriela (autores da canção “As Mocinhas da Cidade”) e deu à luz Caetano Munhoz da Rocha, presidente do Paraná durante a República Velha.
A cidade ainda tem uma farmácia com PH, a escola técnica mais antiga em funcionamento no Estado, um Carnaval que enche de lantejoulas as pedras irregulares da Avenida do Samba e é mãe do Pico Paraná, o mais alto do Sul do País (1.877 metros).
Morretes teve o primeiro Theatro do Estado, guarda um sino de Portugal na sua igreja matriz, e é berço de José Francisco da Rocha Pombo, que integrou a Academia Brasileira de Letras, autor do clássico “História do Brasil”, e de Mirtillo Trombini, célebre pintor do cotidiano e das pessoas da cidade.
O Centro da cidade também preserva os casarões de muitas beiras, que são aqueles prolongamentos de telhado sobre as paredes externas e partícipes do ditado “sem eira nem beira”, que indica os ricos e suas casas com camadas para o lado de fora (muitas beiras), ao contrário dos lares dos pobres, desguarnecidos de quase tudo.
“É impossível passar anuviado pelas duas cidades. Elas contam as histórias dos ciclos econômicos do Paraná, permeadas de conflitos, heróis e mitos. São pequenos tesouros do Estado”, resume Rudi Haupt, criador do parque temático Hisgeopar (História e Geografia do Paraná), em Morretes.
AS DUAS – Antonina e Morretes estão separadas por pouco mais de 15 quilômetros e são senhoras de histórias bem parecidas e centros acanhados que guardam memórias de outro Paraná. Eram terras indígenas de matas e riachos praticamente intocados até a chegada dos primeiros povos portugueses e dos escravos arrancados da África, o que transformou a realidade desses locais (e do Estado) para sempre.
Com o passar dos anos, essas cidades testemunharam o ciclo do ouro de aluvião, muito anterior às minas gerais do centro do País, e foram fundamentais para receber e escoar a produção de erva-mate, de madeira e do café. Atualmente participam dos ciclos da soja, do milho e das carnes industrializadas – Morretes pelo trajeto do trem e Antonina pelo porto complementar à estrutura de Paranaguá.
ANTONINA – Antonina é uma cidade litorânea e portuária de pouco mais de 20 mil habitantes. Ela foi tombada em 2012 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) por seus valores extemporâneos à humanidade. Os principais atrativos são o centro histórico, a estação ferroviária e a Ponta da Pita, pequena faixa de praia do município.
Os primeiros vestígios de ocupação na cidade são de 1648, ou seja, ela completará 372 anos em 2020, mas o município celebrará 223 anos, o aniversário de emancipação de Paranaguá.
É uma cidade marcada pelo ciclo da escravidão africana, mesmo que o assunto ainda reserve tabus e senões. Quem guarda essas marcas, direta e indiretamente, são suas três igrejas.
A Igreja do Bom Jesus do Saivá teve sua construção iniciada provavelmente entre 1789 e 1817, quando a mulher do capitão-mor Manoel José Alves fez uma promessa de construir uma capela dedicada ao culto do Senhor Bom Jesus se obtivesse a graça de ser curada de uma enfermidade. Com a esposa curada, ele pediu que os escravos construíssem a bendita igreja.
Em decorrência da culpa por impor ritmo de trabalho forçado, ele pediu para ser enterrado na soleira da porta principal assim que morresse. Alguns anos depois a família achou que ele já tinha cumprido a penitência e transferiu os restos mortais um pouco mais para o lado.
A Igreja de Nossa Senhora do Pilar (matriz) foi construída no topo do Centro, na beira da baía de Antonina, com visão privilegiada para a vizinha Paranaguá e os canais onde mar e rio são uma coisa só. A construção foi autorizada pelo mesmo Manoel José Alves a partir dos apelos de duas irmãs muito devotas. No começo da história de Antonina, apenas os brancos podiam frequentar as missas naquele local.
Com a exclusão social, restou aos escravos a Igreja de São Benedito, construída por eles mesmos em 1824, mais de 60 anos antes da abolição da escravatura (1888), e que funcionou como refúgio na cidade. Eles replicaram a arquitetura da igreja que não podiam frequentar, a Pilar.
A cidade também tem registros históricos de um pelourinho (local onde os escravos eram punidos) e já vivenciou a separação dos negros e dos brancos por um portão no marco zero da Serra da Graciosa.
CULTURA – Um passeio a pé pelo Centro de Antonina também desvela a história do Armazém Macedo, que “estocou” a memória da culinária local – ele passa por um processo de restauração; do mercado municipal, o ponto de encontro do desenvolvimento econômico da cidade; do Palacete Atlante (hoje um hotel), construído em 1910 e que, à época, trazia as iniciais da esposa do dono nas portas; e do busto de Getúlio Vargas, em homenagem aos cinco escoteiros que foram até o Rio de Janeiro para conseguir autorização do presidente para a continuidade da navegação de cabotagem, fundamental para a cidade no século passado.
Há, ainda, um chafariz presenteado por uma família de Santos; um canto botânico apelidado de Havaí na Praça Coronel Macedo, onde os casais namoravam depois de assistir filmes americanos no Theatro Municipal; e uma boca maldita, onde figurava a antiga rodoviária, e que atualmente serve para os locais narrarem causos da vida alheia.
Na Avenida do Samba estão o Theatro Municipal do século XIX (também sob processo de restauração), a Escola Técnica Dr. Brasílio Machado e a casa de Belarmino e Gabriela, onde hoje funciona uma hamburgueria.
Paralelamente, em direção ao mar, estão a casa de Caetano Munhoz da Rocha, a prefeitura municipal que hospedou Dom Pedro II, Olavo Bilac e Santos Dumont, e a Pharmacia Internacional que preserva a mobília original e tem as paredes recheadas de fotos de personalidades caiçaras. Antonina ainda é sede de um grande complexo desativado das indústrias Matarazzo, que chegou a ser uma das maiores empresas da América Latina no século 19.
MORRETES – Um tour pelo Centro de Morretes também é repleto de histórias de outra época, com seus casarões, museus e comércios. A cidade de cerca de 18 mil habitantes tem o Rio Nhundiaquara no seu coração e o imponente Marumbi ao fundo, além de palmeiras reais que dão a dimensão temporal do lugar.
Morretes foi fundada pelos jesuítas em 1733 às margens da baía de Paranaguá e tem construções bem preservadas. A estação ferroviária que recebe a maioria dos turistas é de 1885 e a rua das flores, no calçadão, onde Dom Pedro II também já se hospedou e onde ficava o primeiro telégrafo da cidade, é o marco de encontro de turistas de todos os cantos do mundo.
Morretes teve o primeiro Theatro do Estado. Ele funcionava onde reluz o atual Theatro Municipal, em um prédio construído no início do século 19 e destruído por um incêndio em 1930 – e onde funcionou o primeiro cinema da cidade. O espaço foi reconstruído depois do colapso e restaurado no começo dos anos 2000.
Já a Igreja Matriz Nossa Senhora do Porto possui no interior uma via-sacra pintada em óleo por Theodoro de Bona, que já lecionou na Escola de Música e Belas Artes do Paraná e foi aluno de Alfredo Andersen. A cidade ainda se orgulha de Mirtillo Trombini, pintor do cotidiano local. Seu acervo está guardado em um Instituto disponível para visitação.
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Hisgeopar concentra em Morretes a história do Paraná
Quem guarda um pouco da história de Antonina e Morretes e toda a evolução do Estado na ponta da língua é Rudi Haupt, marmeleirense de nascimento e criador do parque temático Hisgeopar (História e Geografia do Paraná), em Morretes. O parque é uma versão em miniatura (119 metros) e mecânica da Serra do Mar e imita o Paraná de Leste a Oeste, do mar às cataratas.
Haupt é autodidata, estudioso e inquieto. Ele criou ao lado de sua casa, utilizando cimento, resina, fibra de vidro e material reciclável, e a ajuda de apenas uma pessoa, um reduto de turismo pedagógico que conta a trajetória do índio até a inauguração da Itaipu Binacional, fundamental para que o Estado alçasse o posto de potência energética brasileira. O Hisgeopar tem dois anos e recebe, em média, quatro mil pessoas por mês na alta temporada.
“Sempre gostei de experimentar. Gosto de criar, pesquisar, saber como as coisas funcionam. Tinha esse projeto em mente há muito tempo e demorei três anos e meio para concluir. Já tinha feito em proporção menor dentro de um ônibus, mostrando o Brasil Colonial em miniatura a estudantes do Paraná e de Santa Catarina”, conta Haupt. “Com o Hisgeopar conseguimos contar a história do trem que chega a Morretes e dos ciclos econômicos do Paraná, permeados de conflitos, heróis e mitos. É um passeio que conta em uma maquete, de maneira didática e rápida, a importância do nosso Estado para o País”.
O relato começa com os índios e aspectos da vida antes da colonização. Depois os bonecos abordam a mineração de ouro; a pecuária com a passagem dos tropeiros de Viamão (RS) até Sorocaba (SP), levando suprimentos ao interior do País; a erva-mate, ou ouro verde, responsável por 85% da economia do Paraná nos anos 1800; o extrativismo de milhões de araucárias; os sistemas de engenho; o café do Norte até a geada negra de 1975; e, finalmente, a soja.
O trem que faz a descida da Serra do Mar percorre todo o trajeto, como se envolvesse essa história de exportação e intercâmbio com os outros países. Os destaques são a réplica do Viaduto do Carvalho e a sua visão panorâmica por cima da Mata Atlântica, e a Ponte São João, o presente belga ao Brasil, quarenta vezes menor do que a original.
A usina de Itaipu Binacional também é retratada em escala 1:1500. O objetivo da miniatura é mostrar o antes e o depois dessa obra, que mudou a cara e o turismo do Paraná.
“Quando fecharam a barragem, inundaram a maior cachoeira em volume de água do mundo, 150 quilômetros para cima da barragem, próximo a Guaíra, as famosas Sete Quedas. Ela tinha dez vezes mais volume de água do que as Cataratas do Iguaçu. De uma ilha para outra, nesse local, existiam pontes, e, em 1982, quando o mundo ficou sabendo da inundação, o turismo explodiu no local. Devido ao excesso de pessoas, nos dias derradeiros, algumas estruturas romperam e 31 pessoas morreram. A tragédia só não foi maior porque o pescador João Mandi se jogou na correnteza e salvou seis pessoas. Ele é um dos heróis do Paraná”, explica Rudi Haupt.
O passeio pelo Hisgeopar custa R$ 25 e abre todos os dias da semana na alta temporada – para grupos, os preços são diferenciados.
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