Paraná está na vanguarda da autenticação forense com trabalho em obras apreendidas

De um encontro para avaliação de peças apreendidas e sob a guarda do MON surgiu a proposta de criação de uma rede nacional para dar apoio à investigações deste tipo, contando com peritos criminais, pesquisadores das universidades e especialistas em arte.
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18/05/2022 - 14:40
Editoria

Não era exatamente algo inédito nas investigações de grandes esquemas de corrupção, mas uma das frentes abertas pela Operação Lava Jato envolveu a apreensão de centenas de obras de arte – agora sob guarda do Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba – que supostamente estariam sendo usadas para lavagem de dinheiro e fraude. Essa experiência coloca o Paraná na vanguarda da autenticação forense de obras de arte e outros tipos de patrimônio cultural.

A necessidade de que esse material fosse avaliado e tivesse sua autenticidade averiguada foi um dos motivadores para a promoção do evento “Autenticação e Valoração de Peças de Patrimônio Cultural para Fins Forenses”, que ocorreu ao longo de terça-feira (17).

O evento foi promovido pela Secretaria da Comunicação Social e da Cultura, pela Superintendência Geral de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (Seti), pelo Centro de Ciências Forenses (CCF) da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e pelo Projeto Goia (Guarda, Observação, Investigação e Análise de Peças do Patrimônio Cultural Brasileiro) da Polícia Federal (PF).

Entre os palestrantes estiveram representantes dos braços forenses da PF e pesquisadores da UFPR que discutiram tanto os procedimentos de investigação e amparo legal quanto algumas das técnicas forenses de análise física e química de autenticação das obras.

“Entre as peças de interesses estão obras de arte, fósseis, artefatos líticos, todo tipo de patrimônio cultural para combater as ilicitudes associadas a isso. Essas peças são muito usadas atualmente para lavagem de dinheiro e ocultação de riqueza, e a PF tem interesse em desvendar essa criminalidade por meio de metodologias técnico-científicas”, explica Fábio Augusto da Silva Salvador, perito criminal federal em Curitiba e coordenador do Núcleo Goia.

 “O Núcleo é uma proposta de organização de todos os bancos de dados e de todos os exames técnicos e científicos voltados a peças do patrimônio histórico”, diz Salvador, que foi um dos idealizadores e palestrantes do encontro.

INTEGRAÇÃO EM REDE – A partir do evento, que contou com dirigentes dos museus estaduais do Paraná, a ideia é montar uma rede multi e interdisciplinar nacional para dar apoio à investigação, contando com investigadores criminais, pesquisadores das universidades e especialistas em arte, além do suporte institucional de museus e instituições de guarda.

“Vimos em conjunto com o pessoal do Centro de Ciências Forenses a necessidade de fazer a integração das expertises da Polícia Federal com as das universidades. E o Paraná está adiante dessas iniciativas, que têm que se propagar para o Brasil inteiro”, comenta Salvador. “Temos diversas instituições trabalhando com o mesmo alvo, mas sem uma coordenação que a gente considera que o Ministério da Justiça tem mais condição de fazer nesse momento”.

“A expectativa é que isso cresça, queremos não só melhorar as padronizações para esses exames na área, questões relacionadas à cadeia de custódia, mas também integrar uma rede de informações e conhecimento para fazer intercâmbio de dados”, comenta Marcos Camargo, presidente da APCF (Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais).

De acordo com Renê Wagner Ramos, assessor técnico da Seti para Museus e Patrimônio Cultural e ex-presidente da Coordenação do Sistema Estadual de Museus, a ideia básica é que a Polícia Federal traga a parte técnica. “Eles nos procuraram com esse conceito de fazer análise de autenticidade de obras de arte, fósseis, peças líticas, e eu achei extremamente importante para os nossos museus”, afirma.

“É uma iniciativa muito importante, principalmente pelo envolvimento que os museus do Estado estão tendo e para saber de que forma a gente pode trabalhar preventivamente, que informações para auxiliar a polícia e a polícia também nos conhecer. Que informações eles têm para a gente”, concorda Luciana Casagrande Pereira, superintendente-geral da cultura do Paraná, que também participou do evento.

Experiência com obras de arte apreendidas coloca Paraná na vanguarda da autenticação forense


BANCO DE DADOS – Há uma unanimidade entre os participantes sobre como os próximos passos envolvem a criação de um banco de dados. “É para que a gente possa ter ações cada vez mais eficientes e melhor organizar a atuação nessa área e combater a aqueles que fazem um mau uso de obras de arte para lavagem de dinheiro e falsificações”, afirma Marcos Camargo, da APCF.

Para o perito Fábio, a maior vitória será conseguir estruturar uma organização adequada de bancos de dados, com todas as informações dispersas pelo Brasil, e todas as atividades sombreadas que existem nas instituições. Por isso, segundo ele, é preciso que haja envolvimento institucional em nível federal, estadual e municipal. 

“Daí a importância das universidades, além de uma integração muito grande com as secretarias de governo para a difusão de conhecimento acerca de todas as peculiaridades de cada uma das peças que o patrimônio cultural exige”, completa.

Renê Wagner Ramos, da Seti, destaca que o mais relevante é que o Paraná será referência para o Brasil. “Em conjunto com a Secretaria da Comunicação Social e da Cultura, com a parte técnica da PF e o laboratório forense da UFPR, vamos criar uma rede de conhecimento acerca da valoração e da autenticidade de obras e isso vai permitir que possamos dividir esse expertise com os demais estados brasileiros. O que é uma honra e uma responsabilidade”, pontua.

Os museus são parte fundamental no desenvolvimento do projeto, segundo Marcos Camargo, não só por serem reservas técnicas, para possibilitar exames adequados, mas também para que com essa capacitação e integração possam difundir para a sociedade toda a importância do conhecimento técnico-científico sobre o patrimônio cultural brasileiro. “A gente tem de buscar os museus e os museus têm que buscar a gente”, destaca.

MON – As obras apreendidas na Operação Lava Jato estão sob guarda do Museu Oscar Niemeyer (MON), a partir de decisão da Justiça Federal. A instituição foi escolhida por apresentar as melhores condições técnicas para abrigá-las e mantê-las. No total, 350 obras estão no MON. Entre elas, 12 foram destinadas para o Patrimônio da União (por meio do Ibram-Instituto Brasileiro de Museus) e estão cedidas para o Acervo do MON em regime de Comodato pelo período de 20 anos (assinado em 05/12/2019).

Entre as obras apreendidas, 26 fazem parte da exposição “Afinidades”, em cartaz atualmente na Sala 7 do MON. Elas são assinadas por artistas como Sérgio Camargo, Pancetti, Guignard, Hélio Oiticica, Anna Maria Maiolino, Tarsila do Amaral, Cildo Meireles, Krajcberg, Anna Bella Geiger, Jarbas Lopes, Carina Weidle, Adriana Varejão, Mariana Palma, Lygia Pape, Nelson Leirner e Vicente do Rego Monteiro, entre outros.

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