À procura de novas oportunidades, o agricultor Antonio Rosa Sobrinho, o Toninho Rosa, deixou há cerca de 30 anos sua terra natal – a cidade de Mandaguaçu, no Noroeste do Paraná – para aportar em Guaraqueçaba, no Litoral. Principal produtora de palmito do Estado, a região também passava por mudanças no mesmo período, com a transição do extrativismo da palmeira juçara, espécie nativa ameaçada de extinção e cuja colheita foi proibida por lei, para uma nova alternativa que pudesse garantir a renda dos produtores, sem deixar a tradição do palmito de lado.
Já instalado em Guaraqueçaba, Toninho participou ativamente desse processo. Para chegar a uma opção que fosse viável para a região, as terras do agricultor e de outros moradores do Litoral serviram como um laboratório para testar novas palmáceas que se adaptassem ao Litoral sem comprometer a biodiversidade da Mata Atlântica paranaense.
O trabalho de pesquisa e extensão rural foi liderado, na época, pela então Emater – hoje o Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná-Iapar-Emater (IDR-Paraná). “A gente foi praticamente uma cobaia para testar o que dava certo. Plantou palmeira real, palmeira imperial, açaí e a pupunha para acompanhar qual teria o melhor manejo”, conta o agricultor.
E foi justamente a pupunha, espécie de palmeira originária da região amazônica, a melhor opção para aliar a geração de renda à preservação ambiental. Uma série de fatores pesou em favor da planta, principalmente com relação ao manejo. Diferentemente das outras espécies, a juçara inclusa, é possível extrair o palmito sem matar o pé, já que ela refilha, saindo novos brotos que estarão aptos para a produção nos anos seguintes.
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“Temos pupunha produzindo há 25 anos no Litoral, desde quando iniciamos a pesquisa”, conta o engenheiro agrônomo Sebastião Bellettini, do Núcleo Regional de Paranaguá do IDR-Paraná, responsável pelo estudo que introduziu a cultura da pupunha na região. “A colheita pode ser feita em qualquer época do ano, apesar de no inverno o rendimento ser um pouco menor. A planta é também muito precoce, o primeiro corte pode ser feito em 18 meses, enquanto que a juçara leva seis anos para produzir palmito, e uma única vez”.
Do ponto de vista ambiental também há outras vantagens, ressalta o agrônomo. “Não é uma planta invasora, é preciso alguns tratos culturais, porque senão com o tempo ela vai morrendo. Por isso, não se espalha deliberadamente, e não precisa concorrer com as espécies nativas. Sua fruta também serve de alimento aos passarinhos e outros animais, e a palmeira já passou a fazer parte da paisagem. Mas, principalmente, foi graças à transição para o cultivo da pupunha que os produtores deixaram de extrair o palmito de juçara, salvando a espécie da extinção”, destaca Bellettini.
O palmito de pupunha tem ainda outros benefícios no aspecto comercial. Diferentemente das outras espécies, ele não oxida rapidamente, podendo ser trabalhado de forma mais prática na indústria, ser vendido in natura ou em diferentes cortes, como o espaguete de pupunha, que têm caído no gosto dos consumidores. Para o produtor, o manejo também não exige muitos cuidados. Uma vez plantado, é preciso manter a área com roçadas, sem a necessidade de uso de intensivos agrícolas.
AGRICULTORES FAMILIARES – O Litoral responde por 80% da pupunha produzida no Paraná, sendo que outras regiões mais quentes, como o Norte e o Noroeste, também têm alguma participação na cultura. Em 2020, a área plantada na região chegou a 3,2 mil hectares, com quase mil produtores cultivando a palmácea.
Isso significa que o forte da cultura está concentrado entre os agricultores familiares, de pequenas propriedades, já que a média da área cultivada é de três hectares por família. Foram produzidas na região, no ano passado, 11,2 mil toneladas de pupunha, com um Valor Bruto de Produção (VBP) de R$ 33,6 milhões. Há cerca de 10,1 milhões de pés de pupunha plantados na região.
Maior produtor do Estado, Guaraqueçaba responde, na comparação com outros municípios do Litoral, por mais de um terço dessa cultura. A área plantada foi de 1.157 hectares, com mais de 4 mil toneladas produzidas no ano passado e o VBP de R$ 12,15 milhões. São quase 500 famílias envolvidas no cultivo.
“Levando em conta que cada propriedade tem em média três pessoas, 1.500 moradores de Guaraqueçaba trabalham com a pupunha, 20% da população do município”, calcula Bellettini.
É a principal fonte de renda da família de Toninho Rosa, que também mantém uma plantação de banana em consórcio com a pupunha. “Eu tiro cerca de R$ 2 mil com o palmito e mais R$ 500 com a banana, uma renda garantida todo o mês. Também produzo outras coisas em menor escala, mais para o consumo, como açafrão, batata, mandioca, inhame e verduras”, conta.
NATUREZA – É impossível pensar na paisagem de Guaraqueçaba sem uma imersão completa na natureza. Dentro de uma das áreas mais preservadas da Mata Atlântica do País, a fauna e a flora da região são muito diversas, e a pupunha acabou se integrando a esse ambiente. As plantações foram feitas em áreas já abertas anteriormente, seja para pastagem ou cultivo de banana, sem precisar derrubar a mata.
Na propriedade de Francelino Cogrossi, na região de Potinga, toda a produção é orgânica, certificada pelo Instituto de Tecnologia do Paraná (Tecpar). Da propriedade de cerca de 10 hectares, 2 são reservados para a pupunha, e o restante se divide com o plantio de diferentes variedades de banana, cará, aipim, inhame e batata-doce – além da mata nativa, é claro.
Parte dessa produção é vendida em uma cantina que ele mantém na beira da PR-405, o acesso terrestre para Guaraqueçaba. O palmito, porém, tem destino certo para uma das nove fábricas instaladas no Litoral, que transformam o miolo da pupunha em conserva, para ser comercializado no Paraná e em São Paulo.
A área que Francelino vive e produz sempre pertenceu à família, que buscou prezar pela agricultura orgânica. “Antes de a estrada ser aberta, nos anos 1960, a gente nem conhecia veneno ou adubo químico”, lembra o agricultor, que diz que o manejo da pupunha também entrou nesse processo. “Depois de plantar, a manutenção dela é igual à da banana. Eu não uso agrotóxico nenhum, tenho certificado orgânico, faço só a roçada, limpo as touceiras. Cada vez que roça, o mato que apodrece ali vira adubo para a terra”, explica o agricultor.
“Desde o início, fomos orientados pela Emater para o sistema de cultivo, mantendo o espaçamento entre as árvores. Se ficar muito junto, no refilho ela folheia muito e fica fininha, uma planta disputa com a outra. Se for muito espaçado, o trabalho para a roçada é maior”, ressalta. “Tenho 2,5 mil pés e não pretendo aumentar, já dão um rendimento bom”.
PESQUISA – Iniciado nos anos 1990, o estudo que introduziu o cultivo de pupunha no Litoral nunca parou. Junto com a Embrapa Florestas, o IDR-Paraná avalia agora o melhoramento genético da planta, com a seleção das sementes cultivadas na região e as da que vêm originalmente da Amazônia.
Há cerca de 40 espécies de pupunha, uma diversidade bastante grande, com frutos, caules e folhas diferentes, apesar de o palmito ser o mesmo. Há variação na quantidade de óleo nos frutos, a presença de espinhos no caule e folhas e a diferença na precocidade, crescimento e perfilhamento.
“Já temos plantas selecionadas por serem mais precoces, que dão um melhor perfilhamento, são mais fáceis de colher e que produzem mais na indústria”, destaca Sebastião Bellettini, cujo mestrado e doutorado foram focados na pupunha. “Já levamos essas sementes a campo, os produtores estão fazendo as mudas e agora serão levadas ao local definitivo onde serão cultivadas, para podermos observar a diferença dessas plantas”, completa.
SÉRIE – A pupunha de Guaraqueçaba faz parte da série de reportagens “Paraná que alimenta o mundo”, produzida pela Agência de Notícias do Paraná (AEN). O material mostra o potencial do agronegócio paranaense, com textos publicados sempre às segundas-feiras. A previsão é que as reportagens se estendam durante todo o ano de 2021.