Antes de o mundo entrar em estado de isolamento devido à pandemia, em janeiro de 2020, a mãe de Semy Monastier foi diagnosticada com Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), vindo a falecer no meio do mesmo ano. O novo livro de sua autoria, “Um fio de chá é mais longo que a linha da vida na palma da minha mão”, investiga, por meio da escrita, arte e registros de memória, as reverberações do que significa viver o luto nesse contexto.
A obra será lançada no dia 2 de abril, a partir das 17h30, na Biblioteca Pública do Paraná (BPP). Selecionado pelo edital da Lei Paulo Gustavo, o projeto amplia o acesso à literatura com distribuição gratuita para público geral e a disponibilização da publicação em formatos acessíveis para pessoas cegas e com baixa visão. O evento terá roda de conversa e leitura com a artista Laura Formighieri e a diagramadora e designer Jessica Emme.
A escrita de Semy atravessa a experiência de ser avisada antecipadamente sobre a perspectiva de morte de sua mãe por uma doença neurodegenerativa que compromete progressivamente a comunicação e paralisa todos os músculos do corpo. A notícia foi recebida em um período em que grande parte da população perdia parentes de forma repentina, com sequelas da Covid-19, e não sabia por quanto tempo duraria a calamidade.
Segundo Semy, a vivência e o processo de escrever sobre ela carregam o entendimento do quanto pode parecer antinatural viver uma despedida que chega antes do falecimento de alguém que se ama, mas que essa é uma sensação partilhada pelas famílias que têm entes com doenças terminais. “O processo de luto não é linear. Assim também é a escrita. Acompanhar um adoecimento sem volta é complexo e a pergunta ‘quem cuida do cuidador?’ tem outra camada quando passamos por um período de quarentena, pois esse cuidado não era fisicamente possível”, afirma.
Semy Monastier é artista de Curitiba, especialista em Crítica e Artes Híbridas pela Universidade Tecnológica do Paraná, bacharel em Direção Teatral pela Faculdade de Artes do Paraná. Seu primeiro livro, "Outros Textos para Nada" (2024), foi lançado pela Arte&Letra.
ACESSIBILIDADE – O projeto de “Um fio de chá” foi pensado para alcançar o maior número possível de leitores por meio da acessibilidade, principalmente pessoas que passaram por situações parecidas de luto a partir de doenças crônicas. Ao todo, mil exemplares do livro serão distribuídos em momentos como o lançamento, entregas para a equipe e encaminhamentos para bibliotecas, instituições de apoio a pessoas com doenças de alta complexidade e organizações voltadas à acessibilidade.
Com projeto gráfico e diagramação assinados pela designer e diagramadora Jessica Emme, o livro será lançado em três formatos: impresso com fonte ampliada e design adaptado, PDF acessível e audiolivro, todos com audiodescrição das ilustrações produzida pela equipe de Vias Abertas. Também elaborado com foco na inclusão, o evento de lançamento contará com tradutores de Libras.
Um dos públicos-alvo do livro são pessoas com baixa visão, por isso, aspectos clássicos da diagramação e design de publicações literárias foram repensados pela diagramadora. “Foi um debate entre forma e função: às vezes tive que fazer escolhas que iam contra o que é pensado sobre estética para dar lugar ao que seria realmente funcional”, afirma.
Os textos utilizam uma fonte chamada Havista, desenvolvida pela designer curitibana Caroline Lima para facilitar a leitura de idosos e pessoas com baixa visão. Todo o texto do livro foi diagramado com um tamanho de letras maior que o usual com o mesmo objetivo. Além disso, o espaçamento entre linhas, margens, alinhamento e o uso do contraste do preto estão presentes no projeto gráfico.
ILUSTRAÇÕES – O livro é também uma obra visual, com capa e ilustrações produzidas pela artista e designer Sabrina Gevaerd, nascida em Brusque (SC) e estabelecida em Londres, que já recebeu um Prêmio Jabuti pelo trabalho na produção editorial do livro “Sul da fronteira, oeste do sol” de Haruki Murakami, em 2021, cuja edição lançada para o clube de assinaturas TAG tinha criações artísticas assinadas por ela.
As artes de “Um fio de chá é mais longo que a linha da vida na palma da minha mão” alternam imagens que inflamam sensações de dor, descoberta, tempo congelado e mortalidade, como o próprio fio de chá, fitas flutuantes, luz, pássaros, gatos, janelas e a vegetação que poderia ser avistada de um apartamento fechado, como o de Semy.
Para desenvolvê-las, Sabrina fez uma imersão no texto para puxar um universo imagético a partir das sensações que ela mesma experienciava durante a leitura. “É um exercício que eu recomendo para quem ler esse livro: quais imagens moram dentro dos sentimentos mais abstratos e difíceis de explicar com palavras que você consegue encontrar?”, diz.
Entre as sensações espelhadas pelas ilustrações, estão a experiência de assistir o tempo passar fora de casa enquanto as horas no interior parecem estáticas, ou a sensação que se desloca pelo estômago quando uma memória cheia de ausência preenche um espaço sólido do pensamento.
Parte do livro recria um diálogo entre os escritos de sua mãe e os próprios textos de Semy, uma “colagem” entre frases e vivências que reflete a relação entre presença e ausência. “Apesar de eu ainda manter esses diversos cadernos que minha mãe usava para se comunicar, eu nunca os reli até então. Escolher trechos deles foi a parte mais difícil, porque muito do que foi escrito não foi para mim e sim para as pessoas cuidadoras na casa em que ela passou os últimos meses.”
Serviço:
Lançamento de "Um fio de chá é mais longo que a linha da vida na palma da minha mão"
Data: 2 de abril, quarta-feira
Horário: 17h30 às 19h30
Local: Hall da Biblioteca Pública do Paraná (R. Cândido Lopes, 133 - Centro, Curitiba)
Entrada gratuita